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A Casa da Torre, no atual município de Mata de São João, litoral norte da Bahia. Nela morava a poderosa família d'Ávila, que possuía dezenas de fazendas de gado na margem esquerda do Rio São Francisco. Foto: Ruidival Marques, Creative Commons

A expansão pastoril propiciou o surgimento de um novo tipo de colono, o fazendeiro de gado. Em média, cada fazenda possuía três léguas de comprimento por uma de largura, sem cercas e separadas por uma légua de terras que permaneciam sem donos. No entanto, a facilidade na obtenção de terras, muitas vezes recebidas como sesmarias, determinou a concentração de imensas propriedades nas mãos de um só dono. Conforme registro do padre jesuíta Antonil, "o sertão da Bahia quase todo pertence a duas das principais famílias da mesma cidade, que são a da Torre (os d'Ávila) e a do defunto mestre do campo Antônio Guedes de Brito". Os d'Ávila, os senhores da Casa da Torre, chegaram a ter dúzias de fazendas na margem esquerda do São Francisco, enquanto os herdeiros de Guedes de Brito ocupavam a margem oposta, até o Rio das Velhas.

Garcia d'Ávila, patriarca da família, chegou à colônia com o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, de quem recebeu sesmaria, iniciando sua criação com 200 cabeças de gado. À medida que o rebanho crescia, recebia mais terras para pastagens. Os d'Ávila tornaram-se grandes proprietários de terra e ficaram conhecidos como os senhores da Casa da Torre, por habitarem uma construção imponente em forma de castelo, cujas ruínas ainda demonstram a sua grandiosidade.

Montar uma fazenda não exigia grandes investimentos. As instalações eram simples. Bastava uma pequena casa coberta de palha, currais e algumas cabeças de gado. A mão de obra era reduzida. Era formada pelo vaqueiro e seus auxiliares, "os fábricas". O proprietário, em geral, morava longe, às vezes em seu engenho no litoral, e mantinha pouco contato com sua propriedade. O vaqueiro dirigia a fazenda, recebendo um percentual das crias ao final de cinco anos.

Recebendo em cabeças de gado, alguns vaqueiros conseguiram instalar-se por conta própria em terras adquiridas ou arrendadas aos grandes senhores de sesmarias do sertão. Assim formavam seu curral. Criavam-se também cavalos, indispensáveis aos vaqueiros, que precisavam percorrer grandes distâncias para tomar conta do gado, que vivia solto.

Desenvolveu-se a pecuária extensiva, que não necessitava de terras apropriadas e nem exigia pessoal treinado. Os "fábricas", subordinados aos vaqueiros, cuidavam dos rebanhos e mantinham roças para sua subsistência. Recebiam, às vezes, uma pequena remuneração anual. Eram homens livres, índios, mamelucos, mestiços e negros libertos. Houve poucos trabalhadores escravos na atividade pastoril nordestina.

A vida dos ocupantes do sertão era difícil. Abundância só de carne e leite. Usavam o leite coalhado ou como queijo, apenas para o próprio consumo, sem comercializar o produto. A farinha de mandioca, legado dos indígenas, juntou-se à carne, originando a paçoca, ainda hoje consumida pelos vaqueiros.

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Com a criação de gado surgiu a figura do vaqueiro, função exercida por homens livres que tinham a responsabilidade de cuidar das reses e da fazenda. Gravura de Percy Lau. In: Revista Brasileira de Geografia (IBGE), 1966. Uso amparado pela Lei 9610/98

A região pastoril do Nordeste abastecia a região açucareira, principalmente Bahia e Pernambuco. Boiadas de 100 a 300 cabeças percorriam o sertão em busca dos centros de consumo. Consumia-se a carne fresca e a carne-seca, também chamada carne do ceará, que se tornou um dos produtos mais importantes do comércio interno da colônia.

O couro era exportado sob a forma de solas, e servia também para embalar o fumo destinado à exportação. Usava-se o couro para quase tudo. Capistrano de Abreu observou que era de couro tudo o que os cercava: a porta das cabanas, leitos, cordas, cantil, alforje, mochila, bainhas de faca e até as roupas com que enfrentavam a caatinga. Até hoje, em muitas regiões, os vaqueiros conservam o costume de se vestirem de couro.