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Com a Abertura dos Portos e a presença da corte, uma nova gama de produtos manufaturados e de luxo passaram a desembarcar no Porto do Rio e a circular pela cidade. Aquarela de Jean-Baptiste Debret. Domínio público, Museus Castro Maya

A política administrativa de D. João visava implantar um império que demonstrasse poder, exibisse prestígio e garantisse segurança aos seus súditos. Assim, o Estado português foi reproduzido na colônia, com a instalação de seus ministérios e demais órgãos da administração pública e justiça, atendendo à necessidade de se criar cargos para os funcionários da corte, fugidos de Portugal com D. João e que eram a base de sustentação de seu governo, junto com os comerciantes reinóis.

Para a historiadora Maria Odila Silva Dias, "com a vinda da corte, pela primeira vez, desde o início da colonização, configuravam-se nos trópicos portugueses preocupações de uma colônia de povoamento e não apenas de exploração ou feitoria comercial, pois no Rio teriam que viver e, para sobreviver, explorar os enormes recursos naturais e as potencialidades do império nascente, tendo em vista o fomento do bem-estar da própria população local".

Em abril de 1808, D. João revogou os decretos que proibiam a instalação de manufaturas na colônia, isentou de tributos a importação de matérias-primas destinadas à indústria, ofereceu subsídios para as indústrias de lã, de seda e do ferro, incentivando a introdução de novas máquinas. Criou, também, no mesmo ano, a Biblioteca Real, o primeiro Banco do Brasil, a Escola de Marinha e a Imprensa Régia.

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Entrada do Mercado Principal do Rio de Janeiro. Aquarela de Thomas Ender, 1817-1818. Domínio público, Academia de Artes de Viena

O fim da proibição da existência de gráficas possibilitou o surgimento de jornais e revistas, assim como uma relativa circulação de notícias e ideias. Entretanto, essa liberalização não significava liberdade de imprensa. Por decisão do governo, a administração da Imprensa Régia caberia a uma junta composta por três autoridades encarregadas de "examinar os papéis e livros que se mandasse publicar e fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes". Assim, o ato que criava a imprensa na colônia criava, também, a censura. A aplicação da censura aos livros fez com que houvesse, nessa época, um intenso contrabando de publicações para abastecer a elite letrada da corte.

O primeiro jornal publicado, de caráter quase oficial, foi a Gazeta do Rio de Janeiro. O primeiro número saiu no dia 10 de setembro de 1808, em papel de baixa qualidade, com quatro páginas, com distribuição, no início, semanal e, depois, três vezes por semana. Não publicava notícia que interessasse ao público em geral, tratando somente das relacionadas ao estado de saúde dos príncipes europeus e aos aniversários dos membros da família real, entoando-lhes louvores. Para o inglês Armitage, "a julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, deveria ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado queixume".

Ainda em 1808, D. João criou o Real Horto (Jardim Botânico) como um jardim de experimentos científicos. Nele, pretendia aclimatar todo tipo de planta que pudesse ter produção comercial ou uso prático em farmácia, tinturaria ou outro tipo de indústria. Foram aclimatadas especiarias como a canela, o cravo-da-índia, a pimenta-do-reino, o chá-preto, assim como frutas, entre as quais o abacate, a manga e a carambola. Grande parte dessas novas espécies veio da Guiana Francesa. A produção de alimentos também foi desenvolvida, pretendendo-se incrementar as atividades agrícolas no novo reino e abastecer a capital.

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Portão de entrada da fábrica de pólvora. Sua fundação, em 1809, fez parte das medidas de reorganização dos arsenais de guerra. Gravura (folha de 39,7 x 98,9 cm) de George Hunt. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital

Em 1809, foi criado um observatório astronômico, ao mesmo tempo que foram reorganizados os arsenais, fundada a fábrica de pólvora e, em 1811, instalada a Academia Militar. Este órgão tinha entre suas funções promover um curso das chamadas ciências exatas (Matemática) e de observação (Física, Química, Mineralogia e História Natural). Deveria formar não apenas oficiais do Exército, como também engenheiros, geógrafos e topógrafos que pudessem dirigir obras públicas, como a abertura de estradas, minas, portos, etc.

Essas medidas foram tomadas de acordo com a política de defesa da colônia estruturada por D. Rodrigo, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que também se preocupava em estabelecer canais de comunicação com todas as regiões. À preocupação com a guerra aliava-se a necessidade de se comunicar com o interior do país. D. Rodrigo centralizou o eixo da vida administrativa da colônia no Rio de Janeiro, que deveria impor-se às demais capitanias. Os objetivos dessa política eram não só estratégicos, mas visavam, também, melhorar a produtividade da colônia para fazer frente ao abastecimento da sede do governo. Para tanto, mandou abrir estradas, cuidou da navegação dos rios e dos portos e organizou a plantação de produtos necessários ao abastecimento da crescente população do Rio de Janeiro, facilitando o embarque dessas mercadorias para a corte.

Ao Rio de Janeiro chegavam mercadorias e gêneros alimentícios tanto do exterior quanto de outras regiões do Brasil. As embarcações que passavam pela Baía de Guanabara traziam hortaliças e pequenos animais. Por terra chegavam animais de grande porte e produtos vindos da região das Minas e de São Paulo.

Para o melhor escoamento dos produtos cultivados nas áreas próximas da corte foram abertas estradas, como a do Comércio e a da Polícia, que cortavam a região entre os rios Paraíba e Preto, ainda precariamente povoadas nessa época, em direção ao sul de Minas.

Esse conjunto de medidas contribuiu para tornar mais consistente a ideia de formação de um império luso-americano com sede no Rio de Janeiro. Para tanto, também influiu o fato de D. João ter doado sesmarias aos "antigos colonizadores" – funcionários e comerciantes portugueses –, com o objetivo de expandir a atividade agrícola e promover a interiorização desses que viriam a se tornar os novos colonos. A medida vai ajudá-lo, também, a resolver um problema que a Abertura dos Portos acarretara. Os comerciantes reinóis tiveram os seus interesses bastante prejudicados com essa decisão, pois perderam o monopólio do comércio na colônia, ficando apenas com a exploração do tráfico negreiro, que já sofria pressões externas.

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O Banco do Brasil, criado por D. João, foi instrumento importante na concessão de créditos para os colonos desenvolverem as sesmarias recebidas. Litografia (28,6 x 39 cm) de Pieter Godfred Bertichen. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital

Entretanto, como analisa a historiadora Emília Viotti da Costa, "as leis decretadas por D. João, embora contribuíssem para liquidar o sistema colonial, não foram capazes de modificar todo o sistema, e nem tinham a intenção; daí a persistência de privilégios e monopólios. Permaneciam o oneroso e irracional sistema fiscal, a emperrada máquina administrativa, as inúmeras proibições: proibições de se deslocar livremente, de abrir caminhos, discriminações e privilégios que separavam portugueses e brasileiros, criando animosidade entre eles".

Outra medida importante tomada por D. João foi conceder créditos do Banco do Brasil para que os novos colonos pudessem explorar e desenvolver as sesmarias recebidas. Situavam-se em terras férteis, na região de "serra acima" (Vale do Paraíba), como se dizia na época, onde hoje se localizam Resende, Pati do Alferes, Valença e Vassouras, entre outras, parcamente habitadas de brancos, para que se tornassem proprietários rurais. Com essa medida, pretendia promover o enraizamento desses antigos colonizadores, aos quais também distribuiu mudas e sementes diversas para experimentação, entre as quais o café.

Nas sesmarias localizadas nas terras de "serra acima", os novos colonos criaram pequenos animais e plantaram para o seu consumo e o abastecimento da corte. A alguns deles, D. João garantira o monopólio do comércio na cidade do Rio de Janeiro. Essa "barganha" entre esse grupo e a Coroa se apresentava para os demais colonos como uma relação de favores, sugerindo-lhes a ideia de que, para os negócios caminharem bem, tinham que estar sob a proteção da Coroa e próximos dela.

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O Largo do Paço (atual Praça Quinze) no ano da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. Aquarela de Richard Bate, 1808. Domínio público

Os colonos da decadente região mineradora, que já haviam se voltado para as atividades agrícolas e também tinham se dirigido para as terras de "serra acima", aí se encontraram com os novos colonos, com os quais estabeleceram alianças por meio de casamentos, dando origem à formação de uma elite na parte centro-sul do país. Era esse bloco de interesses que sustentava a ideia da criação de um império luso-americano.

Os "amigos do rei" dominavam a corte. A política parecia girar em torno dos seus interesses. Essa situação descontentava muitos, que viam esse grupo como "gente corrupta, infame e depravada". Para as pessoas que pensavam assim, o Rio de Janeiro tinha se tornado uma "nova Lisboa", dominada pelos "portugueses" que oprimiam os "brasileiros".