ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter
Ícone do Tik Tok

Saúde única é proposta para deter pandemias
28 Dezembro 2020 | Por Larissa Altoé
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
Pixabay

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) promoveu durante o segundo semestre de 2020 uma série de seminários sobre globalização e diplomacia em saúde. Um deles trouxe informações de especialistas sobre one health (saúde única), proposta pela ONU como forma de evitarmos futuras pandemias.

Uma das palestrantes foi Maria Cristina Schneider, professora da Georgetown University, em Whashington DC, nos Estado Unidos, médica veterinária e doutora em saúde pública, especializada em epidemiologia. Ela escreveu o verbete One Health para a Enciclopédia Oxford, em 2019, que diz: "os seres humanos e os animais estão interligados e compartilham o ambiente (ecossistemas, solo, clima) que são afetados pelo interesse socioeconômico dos homens (produção de alimentos, comércio, turismo) e também sofrem pressões externas (urbanização, migração, aumento demográfico). Diferentes disciplinas podem, juntas, fornecer novos métodos e ferramentas para pesquisa e implementação de serviços para apoiar a formulação de normas e políticas em benefício da humanidade e dos animais, conservando o ambiente para as gerações atuais e futuras. Essa abordagem melhorará a previsão, detecção, prevenção e controle de ameaças infecciosas e outros agravos que afetam a saúde e o bem-estar, e contribuirá para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, além de ajudar a melhorar a equidade no mundo".

Maria Cristina citou a raiva humana como um exemplo prático de como os seres humanos estão ligados ao ambiente e aos animais, na saúde e na doença. A raiva é transmitida pelo morcego hematófago (que se alimenta de sangue) e foi o tema de doutorado da especialista na Escuela de Salud Publica de Mexico em 1996, sendo ainda hoje um problema para os habitantes de áreas degradadas na Amazônia Legal. Em 1990, ela coordenou o programa nacional de raiva do Ministério da Saúde e constatou que os surtos da doença ocorriam em áreas de desmatamento e garimpo. "Nesses locais de habitat destruído, os morcegos, que antes se alimentavam de outros animais, passam a atacar os seres humanos", concluiu Maria Cristina.

Na época, foram feitas algumas ações integradas entre as áreas da saúde, agricultura e meio ambiente: criaram indicadores e instrumentos de detecção de áreas de maior risco, além de oferecer tratamento para os doentes (vacina e soro), sem os quais, morreriam. Maria Cristina ressaltou que muitas doenças infecciosas têm morcegos em seu ciclo, como, provavelmente, é o caso da origem da Covid-19. "Precisamos aprender a respeitar os animais, o meio ambiente, e ver que estamos todos conectados e compartilhamos o espaço no mundo. Necessitamos preservar os habitats naturais e evitar o transbordamento de novos vírus de animais silverstres para os seres humanos", afirmou a especialista.

Outro exemplo prático de doença que pode ser evitada se levarmos em consideração os outros seres vivos e os ambientes que compartilhamos com eles é a leptospirose. Maria Cristina foi assessora na interface animal / humana da Organização Pan-Ameriana de Saúde (OPAS) de 2000 a 2018 (quando se aposentou). Nessa condição, trabalhou na Nicarágua com equipes transdisciplinares, que atuavam nos ministérios da saúde e da agricultura locais no enfrentamento da leptospirose.

Verificaram que o problema se dava em áreas tropicais sujeitas a inundações depois de fortes chuvas. A bactéria causadora da leptospirose é transmitida aos seres humanos por meio da urina de animais, como roedores. Detectaram ainda que o problema se agravava em áreas pobres onde as pessoas habitavam casas de chão batido. A região analisada possui solo vulcânico, cujo ph permite que a bactéria da leptospirose viva por mais tempo. Além disso, na época das chuvas, os moradores abrigavam animais em casa, como cães, que podem se infectar com a bactéria da leptospirose e transmiti-la aos seres humanos.

Conservar habitats naturais nos mantém saudáveis

Para Janice Zanella, chefe geral da Embrapa para suínos e aves, e PhD em virologia molecular, com pós doutorado na USDA-ARS (agência governamental norte americana de pesquisa), as epidemias sempre mudaram a história da humanidade e também deixaram um legado de como lidar com elas, como a quarentena e a rastreabilidade. "As regiões tropicais têm grande biodiversidade, que é composta não apenas por animais e plantas, incluindo os insetos, mas também por incontáveis vírus e parasitas. É preciso respeitar esses habitats e conservá-los, pois quando um patógeno não encontra seu hospedeiro, procura outro, que pode ser o ser humano", explicou Janice.

Imagem usada pela infectologista Marília Santini, da Fiocruz, para encerrar sua palestra sobre saúde única no contexto global (Divulgação)

Janice afirmou que 75% das doenças humanas emergentes nos últimos 100 anos são zoonoses (doenças vindas dos animais). E quando se trata de zoonoses, três fatores fundamentais devem ser levados em conta: o hospedeiro (animal não humano que contém o agente patológico), o ambiente, e o patógeno (micro-organismo causador da doença). Por isso, normas de higiene são muito importantes. Não se deve, por exemplo, misturar em um mesmo ambiente, animais vivos e silvestres, porque os animais silvestres podem transmitir, por exemplo, vírus para os outros animais, que por sua vez os transmitirão aos seres humanos. Quanto mais cheio de gente e outros animais, vivos e mortos, o espaço for, pior para a saúde. Janice afirmou que, de acordo com pesquisas, o investimento em um sistema de saúde única (one health) corresponde à metade das perdas financeiras causadas pelas zoonoses.

Relação Covid-19, ambiente, seres humanos e outros animais

Marília Santini, infectologista da Fiocruz, corroborou as informações das palestras anteriores, dizendo que as doenças infecciosas têm a ver com o ambiente e com a forma como o homem ocupa o espaço, nele se movimenta e age. Segundo a especialista, as doenças infecciosas estão relacionadas principalmente com a produção, o consumo, o comércio de alimentos e outros insumos; e com a geração, tratamento e disposição de resíduos.

"Os wet markets de Wuhan (cidade onde começou a pandemia de Covid-19) possuem condições propícias para a migração de vírus, antes restritos aos animais, para os seres humanos. O Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19, surgiu da convivência entre diferentes espécies animais, vivas e mortas, incluindo seres humanos. Junte-se a isso, o fato de que a China é uma região populosa com grande mobilidade e que o Sars-Cov-2 é de transmissão respiratória por um período longo (levando-se em conta as outras doenças respiratórias) – em média 11 dias. Outro agravante que contribui para a pandemia é que atualmente os levantamentos mostram que 60 a 80% dos contaminados são assintomáticos ou apresentam poucos sintomas", resumiu a infectologista.

Marília Santini defendeu que a medicina humana precisa ser vista como parte de uma saúde única, relacionando o homem com o ambiente e as outras espécies animais. "Hoje, temos pouco controle, nos limitamos a vigiar e vacinar (quando existe a tecnologia), mas é possível prever e prevenir", garantiu ela.

Com essa perspectiva, a ONU lançou em julho o relatório Prevenir a Próxima Pandemia: doenças zoonóticas e como quebrar a cadeia de transmissão, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), disponível em Inglês e Espanhol.

O relatório identificou dez ações práticas que os governos podem adotar para evitar outros surtos:

•Investir em abordagens interdisciplinares, como a One Health;

•Incentivar pesquisas científicas sobre doenças zoonóticas;

•Melhorar as análises de custo-benefício das intervenções para incluir o custo total dos impactos sociais gerados pelas doenças;

•Aumentar a sensibilização sobre as doenças zoonóticas;

•Fortalecer o monitoramento e a regulamentação de práticas associadas às doenças zoonóticas, inclusive de sistemas alimentares;

•Incentivar práticas de gestão sustentável da terra e desenvolver alternativas para garantir a segurança alimentar e meios de subsistência que não dependam da destruição dos habitats e da biodiversidade;

•Melhorar a biossegurança, identificando os principais vetores das doenças nos rebanhos e incentivando medidas comprovadas de manejo e controle de doenças zoonóticas;

•Apoiar o gerenciamento sustentável de paisagens terrestres e marinhas a fim de ampliar a coexistência sustentável entre agricultura e vida selvagem;

•Fortalecer a capacidade dos atores do setor de saúde em todos os países; e

•Operacionalizar a abordagem da One Health no planejamento, implementação e monitoramento do uso da terra e do desenvolvimento sustentável, entre outros campos .

A MultiRio participa do esforço educativo de divulgar as informações mais recentes sobre promoção de saúde e convida os professores da Rede Pública a participarem da construção de uma sociedade mais segura, disseminando essas informações na comunidade escolar.

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp