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Benjamin de Oliveira: um ás do circo-teatro que o Brasil não pode esquecer
22 Julho 2019 | Por Márcia Pimentel
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Souvenir de 1909, com alguns personagens. In: O circo no Brasil, de Antonio Torres, Funarte/SP, 1998

Benjamin de Oliveira foi uma das maiores personalidades do circo brasileiro e dominava o picadeiro como ninguém. Nas primeiras décadas da jovem República, quando o país e sua capital federal passavam por grandes transformações. Exercia com maestria a arte dos palhaços e acrobatas e tinha pleno conhecimento da cena. Interpretava vários papéis, tocava instrumentos, cantava, compunha, adaptava obras, escrevia pantomimas e dirigia espetáculos, não raro com mais de 40 atores, inovando a linguagem circense e dando contribuição decisiva à constituição do circo-teatro do Brasil.

Não à toa, no Carnaval de 2020, ano dos 150 anos de seu nascimento, o Salgueiro lhe renderá justa homenagem com o enredo O Rei Negro do Picadeiro. Quando se pergunta a Alex de Sousa, carnavalesco da agremiação, qual era a singularidade de Benjamin em relação a outros renomados palhaços e profissionais de circo, ele lista todas as artes por ele dominadas, inclusive o trapézio, e pergunta: “Precisa mesmo falar mais alguma coisa”?

Fugas e aprendizagens

Benjamin de Oliveira nasceu Benjamin Chaves em 11 de junho de 1870, na Fazenda dos Guardas, na atual cidade de Pará de Minas. Tinha o apelido de Beijo e era o quarto filho de Malaquias, um capturador de escravos fujidos, e de Leandra, uma mucama da alta confiança da casa grande. Costumava apanhar muito na infância, segundo seus próprios relatos, e vendia bolo na porta dos circos que chegavam ao arraial. Isso até os 12 anos, quando fugiu com o Circo Sotero e mambembou pelo sertão mineiro, percorrendo estradas de terra em carroças puxadas por bois.

Única atração cultural que chegava às pequenas cidades, naquela época, o circo era recebido com deferência pela população e pelas autoridades. E com a cara enfarinhada, o moleque Beijo, trajado de palhaço-cartaz, saía a cavalo pelas ruas dos vilarejos para anunciar o espetáculo do Sotero, onde aprendeu saltos, acrobacias, corda indiana e trapézio, e, provavelmente, adotou novo sobrenome: o do artista da companhia Severino de Oliveira.

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Acrobacias e trapézio: as primeiras técnicas aprendidas por Benjamin. Foto Dominic Winter, BNPS, domínio público

Quase três anos depois, fugiu do Sotero porque apanhava muito do dono do circo, que suspeitava – “infundadamente”, segundo Benjamin – que sua mulher o estivesse traindo com ele. Pouco depois, incorporou-se a um grupo de ciganos, fugiu de novo, e passou meses caminhando e mendigando por várias vilas, até que, na cidade de Mococa, em São Paulo, conseguiu trabalho em um circo dirigido por um norte-americano, onde pode aperfeiçoar suas técnicas.

Por volta de 1887, já havia se mudado para o circo de Manoel Barcelino, que Benjamin reconhecia como seu grande mestre. A companhia contava com mais de duas dezenas de artistas e apresentava espetáculos equestres, acrobáticos, bailarinos, ginásticos, zoológicos e mímicos. Ali, seguiu evoluindo como artista, aprendendo ainda mais técnicas. Ganhou verniz, como ele mesmo dizia.

Conexão com o público

Em uma de suas apresentações no circo de Manoel Barcelino, o artista e diretor circense Fructuoso Pereira gostou do que viu e contratou Benjamin, oferecendo-lhe salário fixo. Em 1889, a nova companhia se associou à de Albano Pereira, que tinha feito turnê por Buenos Aires e introduzido, como uma de suas atrações, a representação de pantomimas adaptadas de folhetins.

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O personagem de palhaço abriu caminho para o sucesso. Revista Comoedia de 5/3/1947, BN Digital, domínio público

Ali, Benjamin, que apresentava números de saltos e acrobacias, pôde absorver mais algumas linguagens circenses, especialmente quando precisou substituir o palhaço cantador de lundu e tocador de violão, Antonio Freitas, que havia adoecido. Da primeira vez que seu novo personagem entrou em cena, foi vaiado, mas não demorou muito para começar a dominar a arte dos clowns. Segundo seus relatos, foi a partir de seu domínio do picadeiro como palhaço cantador que se tornou conhecido no meio circense.

Em sua tese de doutorado sobre Benjamin de Oliveira, Ermínia Silva chama a atenção para a importância das bandas de circo e dos palhaços cantadores, naquela época. Exerciam papel fundamental na popularização das músicas e na venda de partituras, de livretos e de cilindros fonográficos – os primeiros suportes de armazenamento de áudio.

Não é difícil supor que, como palhaço cantador, Benjamin ganhou proximidade com o público. E por ser sempre muito aplaudido, passou a ser assediado por outras companhias, como a de Antonio Amaral, no qual trabalhou por volta de 1890. Quando idoso e aposentado, dizia, nas entrevistas aos jornais e revistas, que, em torno de 1895 já era um palhaço de grande sucesso.

Virando estrela

Benjamin começou o século XX na cidade de São Paulo. Em 1901, encontrava-se no bairro do Braz, trabalhando no circo do palhaço e trapezista Affonso Spinelli, que havia conhecido em 1892, quando ambos faziam parte da troupe do francês (já abrasileirado) João Pierre. Com o desenvolvimento do setor cafeeiro, a capital paulista crescia aceleradamente, tendo se transformado em rota importante para as companhias circenses e teatrais.

Benjamin era a grande estrela do circo. Ao menos é o que se depreende da propaganda publicada no jornal O Estado de São Paulo em 1/12/1901, que trazia sua figura estampada em roupa de gala, ostentando várias medalhas no peito. Na época, segundo Ermínia Silva, “era comum que as cidades – através de suas autoridades ou representantes de classes, associações, entre outros – homenageassem artistas”.

Aperfeiçoando a teatralidade

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No papel de Peri, em Os Guaranis. Arquivo do Cenacen, Funarte/Cedoc, Coleção Abreu

Na cena cultural da belle époque paulistana e carioca, proliferavam os teatros ligeiros, de vaudeville e de revista, os cafés-concerto, o music-hall. Tais espetáculos alimentavam, com suas composições, a nascente indústria fonográfica e, não raro, companhias teatrais estrangeiras passavam em tournê, trazendo as novidades da Europa e da Argentina.

Em meio a esse cenário, o circo precisava sobreviver. Benjamin estava preparado para a empreitada. Tinha talento e, desde os tempos em que havia trabalhado com Fructuoso e Albano Pereira, conhecia os caminhos para incorporar e adaptar, para o espaço circense, as produções literárias, teatrais e musicais. Foi isso o que ele começou a fazer.

Em 1902, ainda no Braz, estreia, pela primeira vez no Brasil, uma pantomima adaptada, ao mesmo tempo, de uma obra literária e de uma ópera. Tratava-se da paródia Os Guaranis, inspirada no romance de José de Alencar e na ópera de Carlos Gomes. Benjamin não apenas atuava no papel principal, fazendo o Peri. Também tinha escrito o texto e dirigido a cena.

Subvertendo a identidade

Mais tarde, em 1908, quando já havia se fixado no Rio de Janeiro, a peça Os Guaranis foi filmada e exibida no Cinema Palace. Sobre essa produção, Danielle Crepaldi Carvalho, professora da Escola de Comunicação e Artes da USP e pesquisadora de História e Audiovisual, observa: “Protagonista da pantomima e do filme, o clown negro Benjamin – artista multifacetado, exímio mímico, humorista, instrumentista e cantor – inverte os sinais que historicamente silenciaram o papel das etnias africanas na conformação da identidade brasileira”.

A pesquisadora se refere à invenção da conformação da identidade nacional da época, criada pelos intelectuais do Segundo Império, em que o elemento negro é apagado e o povo brasileiro formado por índios catequizados, que se curvam ao colonizador branco, tal como ocorre no romance de José de Alencar. Mas em Os Guaranis, a presença negra de Benjamin no papel de Peri subverte essa versão da história.

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Adaptação para o circo da opereta A viúva alegre. Revista Fon-Fon, 1910, BN Digital, domínio público

Consolidando o circo-teatro

Em 1905, Benjamin de Oliveira e o Circo Spinelli se fixaram no Rio de Janeiro, em São Cristóvão (nas proximidades da atual Praça da Bandeira), em meio às reformas do então prefeito Pereira Passos, que promove grandes transformações nas feições da capital federal. Os cinematógrafos e os teatros se multiplicavam pelo centro da cidade. A nascente indústria fonográfica se alimentava das músicas tocadas nessas salas de arte e diversão. Com a chegada da eletricidade, as linhas de bonde se expandiram, facilitando o deslocamento dos cerca de 900 mil moradores da cidade.

Benjamin aperfeiçoou a linguagem teatral para o ambiente do circo, adaptando, criando e dirigindo inúmeras peças, como O negro do frade, A filha do campo e O colar perdido, entre tantas outras de sua autoria, ou como as adaptações da tragédia Otelo, de William Shakespeare, e da opereta A viúva alegre, de Franz Lehár. Não se tratavam de encenações mambembes. Em sua tese de doutorado, Ermínia Silva descreve o quanto o circo-teatro apresentado no Spinelli se inseria no contexto da produção cultural para as grandes massas da época, formadas por diversos segmentos sociais e econômicos.

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Selo da cançoneta O automóvel, gravada em 1910. Acervo Cristiano Grimaldi

A música era parte integrante do espetáculo. A banda do Circo Spinelli tinha à frente o maestro Irineu de Almeida, que compôs várias valsas, polcas, lundus, choros e xotes que receberam letra de Catulo da Paixão Cearense.

Vários outros grandes nomes da música do início do século XX também atravessaram a carreira do maestro e de Benjamin, a exemplo de Baiano, que anos depois, em 1917, gravaria Pelo telefone, tido como o primeiro disco de samba.

Todos esses nomes, incluindo Benjamin, fizeram parte do primeiro elenco de contratados da Casa Edison, a primeira gravadora do Brasil.

Reconhecimento

A consolidação do nome de Benjamin de Oliveira como “o cara” do circo-teatro brasileiro não demorou muito. Em 1907, no jornal O Paiz, o dramaturgo e jornalista Artur Azevedo elogiou o trabalho do Circo Spinelli, afirmando que seu único defeito era ser nacional. Não se tratava de uma mera crítica elogiosa. Embora escrevesse para o popularíssimo teatro de revista, Azevedo sempre foi um crítico dos artifícios toscos e grosseiros, que promoviam o riso fácil.

Entre os temas abordados, não poderia faltar o trabalho da grande estrela da companhia: “Ele não é só um saltador admirável, um emérito tocador de violão, um artista que faz da cara o que quer [...]; ele é o nosso Tabarin”, escreve Azevedo em alusão à casa de espetáculos Bal Tabarin, que fazia estrondoso sucesso na Paris daquela época. Benjamin era, realmente, um profissional que dialogava com a produção cultural de seu tempo. Como diz Ermínia Silva, seu circo-teatro era o teatro no circo.

Após a crítica de Artur de Azevedo, a qualidade do trabalho de Benjamin de Oliveira tornou-se uma espécie de consenso na imprensa da capital federal. Transformou-se no principal nome do circo brasileiro, na figura que desenvolveu e consolidou o circo-teatro em nosso país.

Homenagens

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O Salgueiro homenageará Benjamin de Oliveria do Carnaval 2020. Divulgação

Benjamin morreu pobre em 1954 e, como lembra Alex de Souza, do Salgueiro, seu falecimento foi noticiado na primeira página de todos os jornais cariocas, muitos deles o enaltecendo como o maior palhaço do Brasil. Mas o carnavalesco não parece concordar totalmente com essa versão da história, pois, afinal, “ele foi muito mais que um palhaço, foi o introdutor do circo-teatro no Brasil”.

Para fazer justiça a essa história, o Salgueiro conta com uma tradição da escola, iniciada com o carnavalesco Fernando Pamplona no início dos anos 1960: a de levar para a avenida a vida e a obra de grandes personalidades negras “pouco conhecidas do público, mas de grande valor histórico”, como observa Alex de Souza, que não só buscará traduzir a trajetória de Benjamin de Oliveira, mas também transmitir a magia circense, que tanto teria encantado o moleque Beijo naqueles idos de 1882 e que continua fascinando até hoje.

 
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