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Alfabetização ecológica e a importância da relação entre criança e natureza
03 Abril 2017 | Por Fernanda Fernandes
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Um aluno pode conseguir a nota máxima em uma prova ou um trabalho escolar e, ainda assim, jogar lixo na rua ou destruir plantas de um parque do bairro, seja por não perceber a extensão dessas ações ou por não se sentir responsável pelo mundo em que vive. Nesse contexto, como a escola pode contribuir para que crianças e jovens percebam seu papel e entendam as consequências de suas ações sobre o meio ambiente?

Durante os últimos anos, o Center for Ecoliteracy (CEL) – Centro de Ecoalfabetização –, em Berkeley, Califórnia, desenvolveu uma pedagogia de "educação para a vida sustentável" em escolas dos Estados Unidos. O CEL é uma fundação pública que apoia organizações educacionais e comunidades de aprendizado em escolas que, no Brasil, correspondem ao Ensino Fundamental, promovendo a educação para a sustentabilidade.

A base dessa pedagogia é o conceito de "alfabetização ecológica" – o entendimento de como os ecossistemas sustentam a rede da vida, de modo que possamos, assim, conceber comunidades humanas sustentáveis. Inspirado nas teorias de Fritjof Capra e de outros líderes do CEL, o conceito vai além de educação ambiental como disciplina escolar. De acordo com Capra, nas próximas décadas, a sobrevivência da humanidade dependerá da habilidade para entender os princípios básicos da ecologia (interdependência, reciclagem, parceria, flexibilidade, diversidade) e de viver de acordo com sua observação. “Isso significa que a ecoalfabetização deve se tornar uma qualificação indispensável para políticos, líderes empresariais e profissionais em todas as esferas, e deverá ser a parte mais importante da escolaridade, em todos os níveis – desde a escola primária até a escola secundária, faculdades e universidades, na educação contínua e no treinamento de profissionais”, ele afirmou, durante uma palestra sobre seu livro As Conexões Ocultas, realizada em São Paulo, em 2003.

O autor defende que a compreensão sistêmica da vida baseia-se no entendimento de três fenômenos: a teia da vida, os ciclos da natureza e o fluxo de energia. Segundo ele, esses são exatamente os fenômenos que as crianças vivenciam, exploram e entendem por meio de experiências diretas com o mundo natural. “Por meio dessas experiências, nós também tomamos consciência de que nós mesmos fazemos parte da teia da vida, e, com o passar do tempo, a experiência da ecologia na natureza nos proporciona um senso do lugar a que pertencemos. Tomamos consciência de como estamos inseridos num ecossistema, numa paisagem com uma flora e uma fauna características, num determinado sistema social e cultural”, explica Capra no prefácio do livro Alfabetização Ecológica.

Criança e natureza na Educação Infantil

A aproximação das crianças com a natureza é um dos pontos mais defendidos por Lea Tiriba, doutora em Educação. Segundo ela, no âmbito da Educação Infantil, é necessário desconstruir a ideia e a realidade de uma “vida-escolar-entre-paredes” e dar mais liberdade às crianças. “É justamente o exercício de convívio com o mundo natural que lhes possibilitará se constituírem como seres não antropocêntricos, que aprendam o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra”, diz Lea, em documento do Ministério da Educação em que também critica a prática pedagógica que opõe as dimensões cultural e natural. “Nas escolas, seguimos transmitindo às crianças uma visão do planeta como fonte inesgotável de onde os humanos podem extrair indefinidamente, e da natureza como simples matéria-prima morta para a produção de mercadorias. Opondo o plano cultural ao plano natural e privilegiando o primeiro, as escolas silenciam a dimensão ambiental da existência humana.”

Para a educadora, o desafio é pensar uma sociedade em que haja o equilíbrio entre três ecologias: ambiental, social e pessoal – que se articulam no conceito de ecosofia, formulado pelo filósofo Félix Guattari. “Esse é um conceito-ferramenta para pensar a sociedade. A referência é que haja qualidade no nível das três ecologias, simultaneamente. Na sociedade capitalista, urbana, industrial, patriarcal, moderna, vemos desequilíbrios em todas elas. No âmbito da ecologia ambiental, para produzir bens de consumo de maneira alucinada, retira-se muita matéria-prima da natureza. A ecologia social é atingida por uma apropriação da natureza que não é igualitária, é desigual, e uma lógica consumista que não é pra todos. E a pessoal é ferida quando se privilegia a lógica do consumismo, da fábrica, e não da qualidade de vida.”

Em seu artigo Crianças da natureza, ela aponta três objetivos para um projeto pedagógico compromissado com a preservação da vida: religar as crianças à natureza, repensando e transformando uma rotina de trabalho que supervaloriza os espaços fechados; reinventar os caminhos de conhecer, conquistando os espaços que estão para além da sala de aula, mas também são propícios às aprendizagens, como plantações, praias, pontos históricos e outros locais no entorno do bairro, por exemplo; e dizer não ao consumismo e ao desperdício, incitando uma reflexão permanente sobre o que é supérfluo e o que é realmente necessário, e também estimulando oficinas de produção e/ou conserto de brinquedos, feiras de troca de objetos, entre outros.

“Mas essas experiências não podem ser eventuais, devem estar no coração do projeto pedagógico, constituindo-se como rotina”, pontua a educadora.

Práticas pedagógicas 

No artigo As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento, a pedagoga Patrícia Corsino, doutora em Educação, ressalta que é preciso propor atividades que favoreçam as ações da criança sobre o mundo social e natural. “Sem possibilidades de agir, a criança não tem elementos para construir os conceitos espontâneos e, consequentemente, chegar à tomada de consciência e aos conceitos científicos.”

Por isso, Corsino defende que o planejamento das atividades contemple inicialmente a ação, ou seja, a própria movimentação da criança e a manipulação de objetos e materiais, aulas-passeio, estudos do meio, visitas, entrevistas etc. “Como ação e simbolização estão juntas, cabem também a leitura de histórias e poemas, a recepção de sons e imagens (músicas, filmes, documentários). Nesse processo, a criança vai tendo a oportunidade de experimentar, analisar, inferir, levantar hipóteses etc.”

Um exemplo de atividade que se destaca nesse cenário é a elaboração e manutenção de uma horta na escola. Para a alfabetização ecológica, trata-se não apenas de um local onde se produz alimentos sem agrotóxicos, mas onde se observam os ciclos e fluxos dos ecossistemas. Na visão de Capra, a horta é uma “sala de aula” especialmente apropriada para crianças. “Quando a horta da escola passa a fazer parte do currículo, nós aprendemos sobre os ciclos alimentares, por exemplo, e integramos os ciclos alimentares naturais aos ciclos de plantio, cultivo, colheita, compostagem e reciclagem.”

No livro Alfabetização Ecológica, o autor ressalta que o mais importante é que, para as crianças, estar na horta é algo mágico, e destaca a fala de um professor do Centro de Ecoalfabetização: “Você pode ensinar tudo o que quiser, mas estar lá fora, plantando, cozinhando e comendo – essa é a ecologia que chega ao coração das crianças e essa experiência vai continuar com elas pelo resto da vida”.

E conclui: “A educação para uma vida sustentável estimula tanto o entendimento intelectual da ecologia como cria vínculos emocionais com a natureza. Por isso, ela tem probabilidade muito maior de fazer com que nossas crianças se tornem cidadãos responsáveis e realmente preocupados com a sustentabilidade da vida, que sejam capazes de desenvolver uma paixão pela aplicação de seus conhecimentos ecológicos à reformulação das nossas tecnologias e instituições sociais, de maneira a preencher a lacuna existente entre a prática humana e os sistemas da natureza ecologicamente sustentáveis”.

 

 

Fontes:

CAPRA, F. Alfabetização ecológica: a educação das crianças para um mundo sustentável. Traduzido por Carmem Fisher. São Paulo: Cultrix, 2006. Tradução de Ecological Literacy: Educating our children for a sustainable world.

CORSINO, P. As crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL, Ministério da Educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Secretaria de Educação Básica. Departamento de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: FNDE: Estação Gráfica, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf>

FUMAGALLI, L. O ensino de ciências naturais no nível fundamental de educação formal: argumentos a seu favor. In: WEISSMANN, H. (Org.). Didática das ciências naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

TIRIBA, Lea. Crianças da natureza. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7161-2-9-artigo-mec-criancas-natureza-lea-tiriba/file>

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/meioambiente.pdf

http://www.mma.gov.br/informma/item/1426-pensamento-sistemico-e-base-para-uma-alfabetizacao-ecologica

 
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