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Educação antirracista e currículo afrocentrado
16 Julho 2021 | Por Larissa Altoé
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Qual o lápis cor da sua pele?, projeto Identidade: História e Cidadania, da professora Viviane Rodrigues (foto acervo da professora)

A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro deu, nesse início de uma nova gestão, um passo importante na implementação de uma educação antirracista com a criação da Gerência de Relações Étnico-Raciais (Gerer), mas esse é um movimento que começou nas salas de aula do município, vem de dentro da Rede, como explica Pedro Bárbara, da equipe da Gerer: "Em 2018 e 2019, professores da Rede já se reuniam aos sábados em diversas escolas para trocar experiências sobre trabalhos antirracistas e de currículo afrocentrado e fortalecer-se mutuamente, formando o coletivo Agbalá".

Devido a esse trabalho, em 2020, o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, convidou três membros do coletivo para criar a Gerência de Relações Étnico-Raciais: Joana Oscar (gerente), e os assistentes Pedro Bárbara e Luciana Nascimento. Dessa forma, o esforço daquele grupo passa a integrar as ações da Política Pública Educacional da cidade, de forma a expandir e consolidar a educação antirrascista em toda a Rede de ensino.

Joana Oscar, gerente da Gerer, disse que "ao atualizar o currículo para atendimento da legislação e protagonismo dos alunos – em sua maioria negros, como demonstram dados da matrícula -, a Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro opta por construir um caminho para uma educação democrática de fato”.

“Nesse sentido, não há educação plural sem antirracismo e vice-versa. Um currículo afrocentrado ou afroreferenciado funciona como uma política de reparação e de reconstrução do imaginário social. Os desafios são a consolidação de uma agenda de Educação para as Relações Étnico-Raciais que dialogue transversalmente com todas as áreas de conhecimento e vença o obstáculo de ser um debate pontual, extra-curricular e/ou que aconteça em momentos específicos", disse a gerente da Gerer.

A seguir, conheça algumas boas práticas na Rede Municipal, relacionadas à Educação para as Relações Étnico-Raciais, desenvolvidas inclusive no ensino remoto.

Histórias em quadrinhos

Mesmo de forma remota, a professora Viviane Rodrigues segue educando (perfil hqdatiavivi no Instagram)

Com o impacto da pandemia e impossibilitada de levar adiante seu espaço afro-brasileiro presencial, a professora de Fundamental I Viviane Rodrigues, da E.M. Tobias Barreto (3ª CRE), no Encantado, aproveitou a ideia dada por uma live da SME e usou a ferramenta on-line Pixton para criar uma série de história em quadrinhos com temática antirracista. A HQ da Tia Vivi está disponível no perfil da professora no Instagram. "A Gerer é um ganho para quem acredita em uma educação antirracista. Os professores precisam entender que essa educação deve acontecer independentemente de disciplina ou ano escolar", afirmou ela.

Rosângela Chuab é outra docente que está lançando mão de recursos para educar na pandemia. Ela é professora de Educação Infantil na E.M. Padre José Maurício Tomás (5ª CRE), no bairro Turiaçu. "Desde a graduação (Normal Superior e Pedagogia) no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj), eu já praticava uma educação antirracista e afrocentrada. Ao longo do tempo, percebi que não bastava incluir o tema no currículo, mas permear toda a prática com educação antirracista diariamente. A maioria dos estudantes da rede pública carioca é parda ou negra. Precisamos valorizar o que trazem de casa, conceitos, ancestralidade. Não somente da etnia negra, mas também indígena", disse ela.

Rosângela já usava o WhatsApp como ferramenta de trabalho antes da pandemia para se comunicar com os responsáveis dos estudantes. Com o distanciamento social, ela conseguiu continuar em contato com 12 alunos, de uma turma de 24, por meio dessa ferramenta de comunicação. "As folhas interativas, que oferecem a correção depois de feitas, atraíram a participação dos pais. Isso é fundamental com crianças menores de 6 anos. Fiz trabalhos como o de um relicário, abordando memória e ancestralidade. Em abril, falamos sobre povos indígenas. Comecei perguntando o que sabiam sobre o conteúdo. Depois, apresentei diferentes povos indígenas. Falamos sobre culinária e a turma enviou receitas familiares com ingredientes originários desses povos".

Contos africanos

Trabalho de EDI baseado no conto africano O Bicho Folharal, ministrado pela professora Rosângela Chuab

Outra forma de trabalho de Rosângela é por meio de contos africanos. A partir do conto O Bicho Folharal, por exemplo, ela pediu que as crianças fizessem desenhos com folhetos e gravetos. Já com o conto de Moçambique Qual é a parte mais importante do corpo, que fala sobre a boca, Rosângela explorou o sentido do paladar com seus alunos. Ela orientou as famílias das crianças para que os pequenos provassem diferentes alimentos e dissessem quais gostavam ou não e o motivo (doce, azedo etc).

Outra atividade que teve adesão expressiva foi a dos painéis biográficos na página do Facebook da escola. Feitos no Canva (editor gráfico gratuito), os painéis mostravam os alunos e suas preferências em relação a brinquedos, roupas e comida. As informações foram passadas para a professora por meio de formulário virtual. As crianças e os responsáveis se engajaram na atividade. "Os pais adoraram ver a foto do filho no painel biográfico!", relatou a professora.

Para as crianças que não conseguiram acesso virtual, ela disponibilizou material impresso e atividades nos cadernos pedagógicos. "Estou feliz da vida com a criação da Gerer. É um apoio para os professores desenvolverem a educação antirracista diariamente e não apenas nas datas comemorativas. Modifica tudo. Não me sinto mais solitária nesse processo", afirmou.

Literatura infantil negra

Gabriela Sousa é professora no Espaço de Desenvolvimento Infantil Fernão Dias (5ª CRE), em Marechal Hermes. Ela usa a literatura como base de seu trabalho. Só depois de adulta, por meio de pesquisa, encontrou obras com personagens negros sem estereótipos. A primeira foi Tanto Tanto!, de Trish Cook e ilustrações de Helen Oxenbury, cuja história traz uma família negra. "Foi aí que percebi que poderia trabalhar com personagens negros. Quando era criança, não tive contato com obras assim", contou ela.

A professora Gabriela Sousa pesquisa livros com personagens negros como protagonistas para ler para seus alunos, como os da coleção Nana e Nilo, escritos por Renato Noguera e ilustrados por Sandro Lopes (divulgação)

Gabriela observa a autoestima de seus alunos crescer quando lê para eles histórias com personagens negros como protagonistas. A coleção Nana e Nilo traz brincadeiras e referências africanas. Tequinho, o menino do samba, de Neusa Rodrigues e Alex Oliveira, com ilustrações de Mello Menezes, mostra um menino de comunidade que tem orgulho de fazer parte de uma família de sambistas. Já os textos do autor Otávio Júnior destacam os prazeres da vida de quem vive na perferia. "É importante a criança se reconhecer como potência onde quer que ela more", pontuou Gabriela.

Inglês e Ciências em uma perspectiva decolonial

Carolina Azevedo é professora de Língua Inglesa para os anos iniciais na E.M. Professor Fábio César Pacífico (9ª CRE), em Campo Grande, e para o Programa de Educação de Jovens e Adultos (Peja) no Ciep Engenheiro Wagner Gaspar Emery (9ª CRE), em Inhoaíba. "A Língua Inglesa é de uso intercultural, está no mundo. Podemos expressar nossa própria cultura por meio dela", explicou Carolina.

Carolina buscou formação para embasar seu posicionamento profissional. Ffez o curso de extensão em Educação e Relações Étnico-Raciais (Penesb) na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2013, e atualmente cursa o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)..

Nas suas aulas de Língua Inglesa, ela trabalha, por exemplo, a ancestralidade, pedindo que os estudantes imaginem quem eram as pessoas que foram trazidas da África para o Brasil e iniciaram a família a qual eles pertencem. Procura também mostrar outras perspectivas de ser negro, falando de figuras como o imperador Mansa Musa, a rainha Zinga de Angola e Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares. "É importante falar do negro ocupando outras posições sociais e não apenas a recorrente escravização. Havia negros ricos e poderosos. Havia mulheres negras chefiando exércitos".

A legislação estabelece que a Educação Antirracista deve incluir todos os componentes curriculares, lembra a professora Carolina Azevedo (capa do projeto desenvolvido pela professora)

Em outra aula de Língua Inglesa, Carolina mostrou o personagem de Walt Disney, Zé Carioca, e perguntou aos alunos se concordavam com o jeito que o povo carioca é apresentado. Dessa maneira, os estudantes aprenderam adjetivos. Como resultado, os alunos não concordaram com a forma com que o autor norte-americano retratou o carioca, preferindo se autodescrever como "nice and beautiful" (legais e bonitos).

Com o Peja, o trabalho antes da pandemia abordava questões como o turismo em favelas feito com carros abertos, ao estilo safári, desenvolvendo interpretação de texto, vocabulário e leitura crítica. Para Carolina, a Gerer indica que a Educação Étnico-Racial na Rede está sendo tratada como uma questão de reestruturação social.

Karla Paranhos se propõe a decolonizar o ensino de Ciências. Ela leciona na E.M. Deodoro (2ª CRE), na Glória. "Ciência não é exclusividade dos europeus. Quando falo sobre evolução, por exemplo, não me restrinjo a Darwin e Mendel. Trago a África como berço da humanidade. Todos temos DNAs ligados ao continente africano". Para Karla, a Gerer é a possibilidade de expandir a discussão das relações étnico-raciais na Rede. "Quem sabe possam criar uma sistematização e não sejamos mais ações isoladas", disse ela.

Gestão antirracista

Aleksandra Samaritana é diretora-adjunta na E.M. Ronald de Carvalho (10ª CRE), em Santa Cruz. Em conjunto com a equipe escolar, Aleksandra desenvolve um trabalho baseado no respeito ao outro e na escuta do estudante. "Não podemos achar que é apenas questão de D.F. e R.I.", ressaltou ela, referindo-se a duas abreviaturas de planilhas escolares que significam, sobre os alunos, "Deixou de Frequentar" e "Reforço Intensivo" (dificuldade de aprendizagem).

Materiais antirracistas na MultiRio

A MultiRio disponibiliza para os professores e alunos a Coletânea Educação e Relações Étnico-Raciais, com textos, áudios e vídeos sobre o tema. As produções estão divididas em História e Cultura; Personalidades; e Práticas Docentes. Além de outros produtos como, Negra Luz - uma roda de conversa sobre a cultura afro-brasileira, o movimento negro e a questão racial no Brasil e #educa sobre o tema.

 
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