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O jornalismo e seu diálogo com o ensino das competências e habilidades na Educação Básica
03 Março 2023 | Por Márcia Pimentel
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Foto. Lê-se o
Foto: Nick Youngson, wikicommons


O jornalismo proporciona múltiplas possibilidades de apropriação pedagógica pelo professor do Ensino Fundamental. Permite, por exemplo, dialogar com várias competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), já que pode contribuir com a compreensão da realidade, com a construção do pensamento crítico e da capacidade argumentativa, com o domínio da linguagem, a possibilidade de acessar e disseminar informações, a construção da responsabilidade social e da cidadania... Possibilita, ainda, o desenvolvimento de inúmeras habilidades presentes no currículo, como ler e escrever, distinguir fato de opinião etc.

Com a intenção de explorar essas potencialidades, a MultiRio e a Secretaria Municipal de Educação (SME) criaram a Agência de Notícias dos Alunos da Rede (Andar) a fim de estimular as práticas pedagógicas relacionadas ao mundo da circulação, produção e análise da informação. O jornalismo é um gênero discursivo consolidado culturalmente como o mais adequado à construção e à disseminação da notícia em nossa sociedade. Possui linguagem e convenções próprias. Mas, mais que um gênero discursivo, é uma prática de comunicação social.

A prática jornalística requer não só o domínio do gênero discursivo, mas também procedimentos éticos e técnicos relacionados à apuração da notícia, à escolha das fontes de informação, à redação, à edição, ao conhecimento dos artefatos tecnológicos... Essa prática não é tão simples como inicialmente pode parecer, pois se entrelaça com diferentes visões de mundo, pontos de vista e interesses que acabam tensionando o campo da notícia. Todo esse universo que envolve o jornalismo abre um leque de possíveis apropriações pedagógícas alinhadas com a BNCC e o currículo carioca.. 

Informação e opinião

A prática jornalística pode virar uma verdadeira disputa de narrativas entre os diversos grupos sociais, interessados (ou não) na divulgação de informações. Não à toa, mídias alternativas têm prosperado entre comunidades e grupos invisibilizados pelas grandes mídias corporativas, ampliando a quantidade de vozes no espaço público e possibilitando a exposição de suas demandas e visões de mundo.

A maneira como as informações são interpretadas pela sociedade também é um campo em disputa. “Verdades” e narrativas distintas são proferidas por analistas e comentaristas que costumam espelhar o ponto de vista dos donos dos veículos de comunicação. Não por acaso, a habilidade de distinguir fato e opinião tem sido uma das tônicas da BNCC expressas no currículo carioca.

Logotipos das redes sociais mais utilizadas pela população.
As redes sociais ampliaram a quantidade de vozes em circulação no espaço público, cc


Fake news: questão ética e grandes negócios

O universo da informação se tornou um campo ainda mais complexo com o advento de redes sociais e aplicativos como WhatsApp, Telegram e congêneres. Estas novas práticas de comunicação esgarçaram os parâmetros éticos de publicação normatizados até então, atropelando, inúmeras vezes, as normas em que veículos e profissionais de comunicação estão submetidos.

Não que tais normas garantissem a inexistência de erros e de uma informação não atravessada por interesses e pontos de vista enviesados. A manipulação costumava ocorrer no campo das análises e no grau de divulgação da notícia, mas a informação, salvo os enganos, mantinha-se verídica. Até porque o código de ética impunha limites aos veículos e aos profissionais de comunicação que, uma vez rompidos, poderiam ser acionados na Justiça por quem se sentisse prejudicado. Ou seja,normativamente, na mília corporativa, a opinião era permitida, mas a informação falsa não. Só que, agora, “fake news” passaram a circular praticamente livres pela internet.

Não que as fake news nunca tivessem existido. A história revela que ela é repleta delas. A questão é que, agora, elas correm em velocidade impressionante. O que fazer, quando uma informação falsa viraliza nas redes sociais? Como saber qual perfil deu início à mentira? Se nos sentimos prejudicados, quem devemos processar? A sensação de insegurança aumenta ainda mais quando a notícia fake surge em um grupo de WhatsApp, Telegram ou aplicativo congênere. A quem devemos nos dirigir? Ao aplicativo? A qual pessoa do grupo? Diante da impossibilidade de apontar os responsáveis, muitas vezes, a Justiça derruba grupos inteiros, o que leva várias pessoas a reclamarem da “falta de liberdade de expressão”.

Conforme artigo de João Canavilhas, pesquisador de Jornalismo online da Universidade da Beira Interior, e Pollyana Ferrari, pesquisadora de Comunicação Digital da PUC-SP, o atual diretor de redação do jornal O Globo, Alan Gripp, está convencido de que a publicação de “informações” não verificáveis transformou-se em um negócio rentável. Isto estaria ocorrendo, segundo ele, em função do surgimento da monetização por publicidade aleatória. Tal processo se inseriria em um contexto mais amplo, que iria além do âmbito político.

O mesmo artigo informa que, a partir de 2013, agências e sites de veiculação de “fake news” começaram a surgir em vários países, usando os algoritmos para descobrirem os assuntos de maior interesse da população. O negócio teria um custo muito mais baixo que o dos veículos tradicionais já que não precisam de jornalistas apurando e checando informações. O uso de robôs nas redes sociais e e-mails propagariam rapidamente as notícias falsas por ele fabricadas.

Falsa informação na história
As fake news não nasceram com as tecnologias e as redes sociais. Na Roma Antiga, por exemplo, notícias falsas e difamatórias costumavam ser fixadas na base da estátua Pasquino (daí a origem da palavra “pasquim” para designar imprensa de credibilidade duvidosa).

Uma das maiores fake news da história romana foi a de que o imperador Calígula, que reinou entre 37 e 41 d.C., teria nomeado seu cavalo preferido, Incitatus, como cônsul do Império Romano e colocado, entre outros mimos e luxos, 18 servos ao dispor do animal. Os historiadores, contudo, afirmam que esses relatos só começaram a surgir depois do assassinato de Calígula, aos 28 anos, e que o Senado romano não tinha o costume de aprovar tais tipos de excentricidades.

Desenho em preto e branco. Em volta de uma mesa com comida e bebida,  Calígula e funcionários romanos fazem um brinde. O cavalo de Cagígula, Incitatus, é um dos presentes à mesa.
Fake news que atravessou a história: suposto brinde do imperador romano Calígula ao novo cônsul romano por ele nomeado, seu cavalo Incitatus. Desenho de Victor Adam, 1867, domínio público

Uma das grandes diferenças entre as notícias falsas daquele e do nosso tempo é a velocidade com a qual elas se disseminam no meio da população, graças à internet.


Verificação da informação e midiaeducação

Diante da nova realidade, surgiram as agências de checagem de notícias, a exemplo da Lupa, parceira no projeto da Andar e em outras ações da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio. O papel que essas agências passaram a exercer é importantíssimo, já que a veracidade da informação é fundamental à credibilidade e estabilidade das instituições democráticas.

Logomarcas de agências de verificação de notícias.
Algumas agências de verificação de notícias do Brasil e do mundo. MultiRio


Para Guy Berger, diretor de Liberdade de Expressão e Desenvolvimento de Mídia da Unesco, o termo “fake news” sequer deveria existir. É o que defende no prefácio do Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo publicado pela instituição, pois entende que só, e apenas só, a informação verificável merece o status de notícia. Para ele, “fake news” (notícias falsas) é um oximoro, ou seja, é uma figura de linguagem que combina palavras de sentidos opostos.

Do ponto da vista da Unesco, a desinformação e a informação incorreta não deveriam ser associadas ao jornalismo que cumpre com a ética e as normas profissionais. Isto inclui a prática jornalística que produz erros contínuos (e não retificados), pois estaria prestando desserviço à sociedade nesse momento em que a desinformação orquestrada e deliberada se transformou em questão relevante para a democracia.

Conforme o manual da instituição, também é preciso prestar atenção na forma como os estudantes respondem aos conteúdos de informação: se produzem credibilidade (ou não), independente de parecerem notícia (ou não). Em função de todo o contexto em que o jornalismo está inserido na atualidade, a Unesco defende a apropriação crítica e pedagógica dessa mídia na sala de aula, mostrando, inclusive, que a compreensão da linguagem e das convenções jornalísticas pode ser explorada por grupos mal intencionados.

Enfim, a compreensão do contexto em que as linguagens midiáticas estão inseridas, como propõe a midiaeducação, dialoga diretamente com várias competências da BNCC, incluindo a décima – Responsabilidade e Cidadania –, em que os estudantes devem ser educados para atuarem na construção de uma sociedade justa e solidária.

 
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