A questão da violência atravessa todos os segmentos da sociedade. Nas escolas do município do Rio de Janeiro, especificamente, inspira reflexões acerca das convivências e conflitos existentes. Considerando a impossibilidade de esgotar as discussões sobre o tema, muitas análises apostam na convicção de que o diálogo, a reflexão e o compromisso com a proteção à infância e à adolescência sustentam e mobilizam argumentos para novos modos de debater e de atuar nas situações que envolvem violência e escola.
Neste contexto, percebe-se que a definição de violência não é unívoca. Ao contrário, conduz a uma multiplicidade de sentidos, como alertam Debarbieux e Blaya (Violência nas Escolas: Dez Abordagens Europeias, 2002), em texto produzido para comparar pesquisas em países europeus, de forte tradição iluminista:
“Não pode haver conhecimento total sobre a violência – sobre a violência social na escola – porque tudo o que nos é possível é obter representações parciais dela, e temos que aceitar esse fato ou tornarmo-nos prisioneiros da fantasia de onisciência, que é tudo menos científica. Podemos aqui perceber uma primeira oportunidade de ir além das cisões e das divergências, mostrando que as diferenças de pontos de vista oferecem uma pluralidade de conhecimento e de representações.(p.20)”
Essa advertência provoca a necessidade de reconhecer um sentido plural de violência, ou mesmo de utilizar o termo violências como compreensão do fenômeno a partir de diferentes enfoques e perspectivas. Assim, ao se buscar suporte em diferentes textos, pesquisas e especialistas, depara-se com um universo variado de ideias e conceitos que aponta para múltiplas vias, motivando a reflexão, a elaboração de projetos, apresentação de propostas, avaliação e análise de casos, bem como a compreensão e o reconhecimento de que novas posturas precisam ser assumidas. (M. Abramovay, A.L. Cunha e P.P. Calaf, Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violências e Convivência nas Escolas, 2009)
Desse modo, violências não podem ser entendidas, meramente, como causas ou efeitos, mas como questões, problemas, fatos contextualizados e circunstanciados na realidade individual e coletiva das sociedades.
As violências atravessam as relações sociais e são respostas oriundas de várias instâncias, sendo difícil determinar “de” e “para” onde são dirigidas. Por isso, afastar a noção de algoz e vítima é uma atitude prudente, uma vez que:
“Esses protagonistas são retirados do contexto, e nem o contexto socioeconômico nem o contexto da instituição escolar são levados em consideração. O perigo aí contido é que podemos ser induzidos à teoria de que o comportamento é determinado apenas por fatores individuais, sobre os quais a pessoa não exerce qualquer controle. A solução para o problema seria, portanto, fácil: isolar dos demais os elementos causadores de perturbação. Muitas vezes, o risco de patologizar os comportamentos desordeiros encontra-se presente, inocentando as instituições sociais da geração de violência.” (Debarbieux e Blaya, 2002: p.26)
Embora o uso dessa atribuição dos papéis de vítima/algoz seja muito frequente no acompanhamento das questões sobre as violências, certamente não é o mais adequado quando o espaço em questão é a escola. As narrativas dos profissionais que lidam diretamente com as violências na escola são um convite à reflexão-ação sobre modos perversos, intimidadores, ameaçadores de se constituir relações entre pessoas que circulam no cotidiano dessa instituição. Essas narrativas também alertam para a análise sobre atos repetitivos e a preocupação com a convivência e os conflitos comuns ao dia a dia da escola, bem como com a perigosa maneira silenciosa e passiva de lidar com a propagação da violência nesse espaço.
Desse modo, o debate sobre violências e escola impõe aos profissionais a formulação de análises criteriosas sobre as convivências e conflitos, e revela a presença de culturas, valores e conceitos que constroem um campo de forças em intensa interação e que não podem ser ignorados.
Reconhecemos, portanto, que é necessário discutir sobre o que é presente nas narrativas que circulam nas escolas, oferecendo novas possibilidades de reflexão e problematização sobre a intolerância com a diferença e sobre o preconceito, presentes nas relações sociais que cotidianamente se encontram no ambiente escolar.
Provocados por essa realidade, professores, assistentes sociais e psicólogos do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (Niap) apostam na construção de um debate sobre convivências e conflitos na escola, o que, em parceria com a MultiRio, viabilizou a proposta da série de TV Ensaios sobre a Não Violência.
*Katia Regina de Oliveira Rios Pereira Santos é Assistente II do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (Niap)
Ensaios sobre a Não Violência é uma nova série, produzida pela MultiRio, que estreia no dia 4 de setembro. São cinco programas de 26 minutos. Tem consultoria do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares, roteiro de Ivan Kasahara e Ernesto Piccolo, e direção de Miguel Przewodowsky.