ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Instagram
Ícone do Tik Tok
Facebook
Kwai
Whatsapp

Noel Rosa e uma história que deu samba
04 Janeiro 2017 | Por Fernanda Fernandes
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
Foto: Livro Noel Rosa, uma biografia

Observador da sociedade e contador de histórias, Noel Rosa dedicou a maior parte de seus 26 anos de vida à música e à boemia. Em suas composições, retratava episódios do cotidiano, temas da época e personagens da cidade, sem preciosismos ou exageros poéticos. Integrou o morro e o asfalto e, assim, ajudou a transformar o samba.

O Poeta da Vila, como ficou conhecido, uniu-se a sambistas negros do Estácio (Ismael Silva, Nilton Bastos, Bide, Baiaco e Brancura) e de morros cariocas, como o Salgueiro e a Mangueira – de seu parceiro Cartola –, numa época em que parcerias interraciais praticamente não existiam. Em 1954, Rubem Braga publicou um artigo na primeira edição da Revista da Música Popular, em que falou sobre Noel: “Lembro-me de uma noite em que fui ouvir um ensaio da Estação Primeira da Mangueira. O preto Cartola fez cantar os sambas da escola. E o único samba 'lá de baixo', o único samba não produzido na própria escola que ali se cantou, foi Palpite Infeliz. O morro respeitando Noel. [...]” – relatou o cronista, referindo-se à composição do jovem da Vila.

É de Cartola, inclusive, um dos primeiros sambas em homenagem a Noel, A Vila Emudeceu, feito logo após sua morte.

Uma trajetória musical

Filho de Marta Azevedo, professora, e Manuel Medeiros Rosa, comerciante, Noel de Medeiros Rosa nasceu no dia 11 de dezembro de 1910, no bairro de Vila Isabel, Zona Norte do Rio. Durante o seu nascimento, os médicos utilizaram o fórceps – instrumento que auxilia a retirada do bebê –, que acabou afundando seu maxilar e deixando-o com uma deformidade no queixo que o acompanhou por toda vida, e rendeu-lhe, na infância, o apelido de Queixinho.

O menino Noel, aos 6 anos (Foto: Livro Noel Rosa, uma biografia)

Durante seus 26 anos de vida, Noel morou na mesma casa, na Rua Teodoro da Silva, onde, hoje, pode ser visto um prédio residencial que leva seu nome. Alfabetizado pela mãe, estudou, depois, nos colégios Maisonnete e São Bento. Aos 13 anos, começou a tocar bandolim “de ouvido”, sem estudar. O violão foi ensinado pelo pai, pelo primo Adílio e por alguns amigos. E, com 15 anos, já fazia serenatas com o irmão no bairro onde vivia.

Quando concluiu a escola, Noel ingressou na Faculdade de Medicina, que acabou abandonando três anos depois.

Em 1929, entrou para o grupo Bando de Tangarás (antigo Flor do Tempo), formado por moradores de Vila Isabel e alunos do Colégio Batista – Almirante, Braguinha, Alvinho e Henrique de Brito.

Ainda como componente do Bando de Tangarás, estreou no rádio – primeiro, na Educadora, depois, na Mayrink Veiga e na Rádio Philips. Nessa mesma época, teve contato com sambistas dos morros cariocas, como Canuto e Antenor Gargalhada, ao frequentar o bar Ponto de Cem Réis, na Vila.Em paralelo às apresentações com o grupo, Noel fazia gravações solo. Em 1930, despontou seu grande sucesso: a composição Com Que Roupa?. Sobre a letra, existe uma versão de que teria sido feita devido ao fato de sua mãe esconder-lhe as roupas para que ele não saísse, não fosse para as “farras”. Porém, essa história foi desmentida por Almirante em sua biografia sobre o compositor.

Composições: parcerias e polêmicas

A polêmica com Wilson Batista virou disco (Foto: Divulgação/ Odeon)

Em 1932, Noel firmou uma parceria com o cantor Francisco Alves, substituindo Nilton Bastos no trio Bambas do Estácio, que passou a ter outras denominações, como Gente Boa, Turma da Vila e Batutas do Estácio.

Nesse período, destacou-se com uma série de sambas: Fita Amarela, gravado por Francisco Alves e Mário Reis; Filosofia, parceria com André Filho; A Razão Dá-se a Quem Tem, com Franscisco Alves e Ismael Silva; e Três Apitos.

Em 1933, surgiu a rivalidade musical entre Noel e Wilson Batista. Depois de Wilson compor o samba Lenço no Pescoço, enaltecendo a malandragem, Noel fez, em resposta, Rapaz Folgado – que só foi gravado após a sua morte, por Aracy de Almeida –, por achar que a apologia do sambista malandro denegria a imagem dos músicos.

A “discussão” não parou por aí, e a tréplica veio com Mocinho da Vila, de Wilson Batista, que não foi gravado. Depois, um novo samba de Noel, Feitiço da Vila, e outro de Wilson, Conversa Fiada. Seguiram-se, ainda, Palpite Infeliz, do Poeta da Vila, e duas composições de Batista, Frankstein da Vila e Terra de Cego, que terminaram sem resposta.

Quando se conheceram pessoalmente, na Lapa, Noel pediu a Wilson para fazer uma nova letra para a melodia de Terra de Cego. Assim nasceu Deixa de Ser Convencida, e pareceu ter fim a polêmica entre os dois compositores.

Imagem: Antonio Chacar/ MultiRio

Além dos Tangarás, Noel participou do Grupo Gente do Morro, ao lado de Benedito Lacerda, Russo do Pandeiro, Canhoto e outros, fazendo apresentações em Campos (RJ), Muqui (ES) e Vitória (ES), em 1934.

Esse ano também ficou marcado por ter sido quando o compositor conheceu seu grande amor, a dançarina Ceci, do Cabaré Apolo, na Lapa. Com apenas 16 anos, a menina inspirou Noel a compor diversos sambas, entre eles Dama do Cabaré; Último Desejo; e Pra Que Mentir, em parceria com Vadico.

Em dezembro do mesmo ano, Noel casou-se com Lindaura, de 13 anos – 10 a menos que ele -, por pressão da mãe da menina. Grávida, ela perdeu o filho meses após o casamento. Mesmo casado, Noel não largou a vida boêmia e as noites nos cabarés.

A despedida precoce

Em 1935 – mesmo ano em que gravou o clássico Conversa de Botequim, outra parceria com Vadico – Noel viajou com a esposa a Belo Horizonte, Minas Gerais, com o intuito de descansar e cuidar de sua saúde, já debilitada devido a problemas no pulmão, agravados pelo cigarro. Mas nem na capital mineira ele conseguiu se afastar da noite e da boemia. Acabou retornando ao Rio, onde foi trabalhar na Rádio Clube do Brasil.

Cada vez mais debilitado, e diagnosticado com tuberculose, foi a Nova Friburgo (RJ), por ordens médicas, em busca de uma recuperação tranquila nos ares serranos. A tentativa também foi frustrada e o Poeta da Vila voltou à Cidade Maravilhosa, onde fez seu último samba, Eu Sei Sofrer (Quem é que já sofreu mais do que eu?/ Quem é que já me viu chorar?/ Sofrer foi o prazer que Deus me deu/ Eu sei sofrer sem reclamar/ Quem sofreu mais que eu não nasceu/ Com certeza Deus já me esqueceu).

Depois, ainda foi a Barra do Piraí, por sugestão de amigos e familiares, mas só ficou na cidade por uma semana. Devido à falta de recursos no local, regressou ao Rio, onde faleceu dois dias depois, em 4 de maio de 1937, aos 26 anos, em sua casa.


Homenagens póstumas a Noel

A Vila emudeceu
Dolorosamente chora o que perdeu
Ninguém é imortal
Morrer é natural
Ó Deus, perdoa
Se é que estou pecando
Que mal lhe fez a Vila
Que lhe está torturando [...]

A Vila Emudeceu, Cartola.


Noel Rosa foi homenageado em filmes, peças de teatro e discos dedicados ao seu repertório. Ao todo, compôs mais de 200 canções, interpretadas por diversos artistas, desde Francisco Alves, Mário Reis, Sílvio Caldas e Aracy de Almeida – considerada sua maior intérprete –, até Chico Buarque, Paulinho da Viola e Maria Bethânia.

Estátua de Noel Rosa localizada na entrada de Vila Isabel (Foto: Alexandre Macieira/ Riotur)

Em 1960, foi inaugurado um mausoléu em homenagem ao Poeta da Vila no Cemitério do Caju, no Rio, por iniciativa da Associação Atlética Vila Isabel. Dois anos depois, ele recebeu uma nova homenagem, com a inauguração da Escola Municipal Noel Rosa, no Grajaú.

Um monumento também foi instalado no Boulevard 28 de Setembro, no bairro de origem de Noel, em 1996. A cena retrata a música Conversa de Botequim: o cantor sentado, com um cigarro entre os dedos, uma garrafa de cerveja, um copo e a letra do referido samba à mesa, sendo atendido por um garçom. No entanto, em maio de 2016, o monumento foi retirado para restauração, depois de ter sido vandalizado em dezembro de 2015.

Em 2010, ano do centenário de seu nascimento, a Escola de Samba Unidos da Vila Isabel prestigiou o compositor com o enredo Noel: A Presença do Poeta da Vila, de Martinho da Vila.

A trajetória curta, porém intensa, desse jovem de classe média, reforça os dizeres de Feitiço da Vila, uma de suas grandes composições: “A Vila Isabel dá samba”.

 


Fontes:

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma Biografia. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Linha Gráfica, 1990.

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
O talento e a perseverança de José Maurício venceram o preconceito

O talento e a perseverança de José Maurício venceram o preconceito

24/11/2017

José Maurício Nunes Garcia foi um dos melhores compositores brasileiros de música sacra.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Heitor Villa-Lobos, mestre da composição e da educação

Heitor Villa-Lobos, mestre da composição e da educação

03/03/2017

Compositor, maestro e instrumentista carioca de renome internacional, Villa-Lobos uniu a música popular à erudita.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Zuzu Angel, mãe da moda brasileira

Zuzu Angel, mãe da moda brasileira

19/01/2017

Pioneira na criação de uma moda genuinamente nacional, a estilista deu contornos políticos ao seu trabalho a partir da morte do filho.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Machado de Assis, mestre da literatura brasileira

Machado de Assis, mestre da literatura brasileira

26/10/2016

O autor inaugurou o movimento artístico chamado realismo e já foi traduzido para 16 línguas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Carmen Miranda, a pequena notável

Carmen Miranda, a pequena notável

02/09/2016

Apesar de ter nascido em Portugal, Carmen Miranda é considerada a primeira artista multimídia do Brasil.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pedro Ernesto: poder público nas zonas Norte e Oeste do Rio

Pedro Ernesto: poder público nas zonas Norte e Oeste do Rio

26/08/2016

Administrou o município do Rio de Janeiro na década de 1930, iniciando a construção de oito hospitais e 28 escolas públicas.   

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Estácio de Sá: o corajoso português que fundou o Rio

Estácio de Sá: o corajoso português que fundou o Rio

01/03/2016

Persistente, ele lutou contra franceses e indígenas para dominar a Baía de Guanabara e povoar o local onde hoje é a cidade do Rio.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pereira Passos, o prefeito da reforma

Pereira Passos, o prefeito da reforma

24/02/2016

O engenheiro Pereira Passos foi o maior responsável pela reformulação que, no início do século XX, deu ao centro do Rio seu ar de metrópole.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Um santo soldado em defesa do Rio

Um santo soldado em defesa do Rio

19/01/2016

O italiano Sebastião e sua trajetória até tornar-se o padroeiro da nossa cidade. 

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A alma nobre do abolicionista José do Patrocínio

A alma nobre do abolicionista José do Patrocínio

18/11/2015

Articulador fundamental para o fim da escravidão no país, ele abraçou também a causa dos retirantes nordestinos e até a defesa dos animais.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A grande pianista Guiomar Novaes

A grande pianista Guiomar Novaes

10/11/2015

Considerada uma das melhores instrumentistas do início do século XX, ela teve uma carreira impecável no exterior por mais de 60 anos.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Debret, o primeiro cronista da vida carioca

Debret, o primeiro cronista da vida carioca

23/10/2015

De 1816 a 1831, o artista registrou não apenas momentos importantes da fase de formação do Brasil Império, mas também o movimento das ruas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
André Rebouças, engenheiro e educador

André Rebouças, engenheiro e educador

21/09/2015

Engenheiro de prestígio, o que contribuiu para que desse nome a um importante túnel da cidade, Rebouças foi um intelectual preocupado com a inclusão social do negro no Brasil.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Cartola: samba e poesia em verde e rosa

Cartola: samba e poesia em verde e rosa

03/09/2015

Representante autêntico do samba e um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, músico leva requinte a composições que atravessam décadas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Lota, a mulher que fez do aterro um jardim

Lota, a mulher que fez do aterro um jardim

30/07/2015

Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, ou simplesmente Lota, foi responsável por evitar a construção de quatro avenidas com prédios à beira-mar, em prol da realização do atual Parque do Flamengo.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Oswaldo Cruz, uma vida dedicada à saúde pública

Oswaldo Cruz, uma vida dedicada à saúde pública

14/07/2015

Médico, cientista e sanitarista, foi responsável pelo combate de doenças infecciosas que matavam milhares de brasileiros.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pixinguinha, um dos maiores no olimpo da MPB

Pixinguinha, um dos maiores no olimpo da MPB

02/07/2015

Com uma carreira que começou ainda na infância, o maestro foi responsável por incorporar elementos tipicamente brasileiros às técnicas de orquestração e de arranjo de então.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Anchieta e os primórdios da educação no Brasil

Anchieta e os primórdios da educação no Brasil

26/05/2015

O jesuíta é tido não só como pioneiro da área de ensino, mas também da arte brasileira.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
O fotógrafo da modernização do Rio de Janeiro

O fotógrafo da modernização do Rio de Janeiro

19/05/2015

Estimativas apontam que Augusto Malta produziu de 30 a 60 mil registros, ao longo das mais de três décadas em que trabalhou para a prefeitura da cidade.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A primeira mulher caricaturista do Brasil

A primeira mulher caricaturista do Brasil

27/04/2015

Com o pseudônimo de Rian, Nair de Teffé publicou em jornais brasileiros e estrangeiros. Artista multitalento, foi ainda feminista e esposa do presidente Hermes da Fonseca.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Heitor dos Prazeres: um artista do samba e das tintas

Heitor dos Prazeres: um artista do samba e das tintas

08/04/2014

Compositor, ele participou do nascimento das escolas de samba do Rio de Janeiro. Como pintor, teve o talento reconhecido até pela rainha da Inglaterra.

Heróis e Heroínas do Rio