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Contexto propício marcou início da ginástica no Rio
25 Abril 2016 | Por Sandra Machado
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Aula de Educação Física realizada na Escola Municipal Rivadavia Corrêa, em 1921 (Foto: Augusto Malta)

Nem bem a ex-colônia portuguesa se tornou independente, Dom Pedro I convocou uma Assembleia Constituinte, que, em 1823, ousou se preocupar, também, com a importância da educação física na formulação de um Estado que se queria moderno e civilizado. O Tratado de Educação Física dos Meninos, para Uso da Nação Portuguesa, do médico brasileiro Francisco de Mello Franco, editado em 1790, valia como uma das poucas referências disponíveis naquele momento.

A concepção do assunto era, no entanto, bem diferente da compreensão contemporânea do termo, especialmente em se tratando de “meninos órfãos e desvalidos”. Uma carta imperial de 30 de abril de 1828 dá a dimensão do sentido atribuído na época: “A educação física tem por objeto regular a habitação, a comida, o vestuário, os exercícios e tudo o mais que é relativo à economia da saúde dos colegiais, a fim de conseguir o fim proposto no plano geral da educação”. Regras de comportamento, higiene pessoal e atividades físicas dos internatos ficavam, assim, estritamente determinadas.

A sugestão da prática diária de exercícios ocultava uma intenção disciplinar. Autoridades acreditavam que, quanto mais acostumados aos rigores corporais estivessem aqueles garotos – futuramente empregados nos trabalhos de artes de ofício – menor seria sua tendência a rebelar-se contra o sistema. Várias instituições dedicadas ao acolhimento desses menores incluíam a educação física. Entre elas, o Seminário de São Joaquim do Rio de Janeiro, mais tarde rebatizado e que, nos dias atuais, é bastante concorrido entre estudantes cariocas. Fundado no século XVIII e extinto por Dom João VI em 1818, foi recriado por Dom Pedro I em 1821. Em 1837, transformado no primeiro liceu público de ensino secundário do país, tornou-se o Colégio Pedro II, uma das mais prestigiosas instituições escolares na cidade do Rio de Janeiro desde o Império. A primeira referência a atividades físicas no colégio já aparecia no relatório de 1841.

Na primeira metade do século XIX, era quase um consenso o reconhecimento do valor da ginástica entre os médicos. Para eles, a escola deveria ser o lugar do desenvolvimento harmônico das faculdades físicas e intelectuais. Por trás do discurso da categoria, se encontrava embutida uma ideologia de patriotismo, em prol das futuras gerações. A modernidade exigia novos arranjos de civilidade e, com eles, o padrão de uma vida saudável. A Reforma Couto Ferraz, publicada em 17 de fevereiro de 1854, confirmou este panorama porque, ao estabelecer normas para o ensino primário e secundário na corte, tornou obrigatórias as aulas de ginástica nas escolas públicas.

Os militares e a ginástica

Duas importantes consequências derivaram da Guerra do Paraguai (1864-1870): o aumento da pressão pró-abolicionismo e o fortalecimento de um espírito de classe entre membros do Exército Brasileiro, com o consequente surgimento dos partidos republicanos. Crescia a preocupação com o condicionamento do cidadão comum, para a eventualidade de uma convocação ao serviço militar. Em paralelo a um aumento do rigor no ensino da educação física nas escolas, surgia também o recurso da dispensa médica, reservada apenas para aqueles que comprovadamente não pudessem acompanhá-la. Por outro lado, anualmente o reitor do Colégio Pedro II enviava uma lista dos alunos que mais se distinguiam, para publicação no Diário Oficial. Essa foi uma das estratégias usadas para aumentar o grau de aceitação da disciplina, considerada por boa parte da população como inadequada ao ambiente escolar.

Contribuía para essa desconfiança o fato de que espetáculos circenses e teatrais recorressem, também, a apresentações de ginástica como parte da atração de uma cada vez mais valorizada vida social. Pouco a pouco, no entanto, graças à visão da ginástica como parte do saber médico – que já associava o sedentarismo ao adoecimento físico e mental – e à divulgação do assunto por meio da imprensa, foi se desenvolvendo a qualificação docente e a disseminação dos conhecimentos específicos em congressos e conferências pedagógicas.

Ginástico como sinônimo de esportivo

Alunas em atividade no Instituto Profissional Feminino, futura Escola Municipal Orsina da Fonseca (Fonte: meulugare.blogspot.com)

Entendida como um conjunto específico de técnicas corporais ou sinônimo de qualquer tipo de exercício, a ginástica ganhava um terceiro significado, quando associada às suas propriedades fisioterápicas. Como na atuação de Bernardo Urbano de Bidegorry, visionário que, na década de 1850, entre outros projetos, propunha a organização de um corpo de bombeiros inspirado no modelo parisiense e independente do Exército. Contratado pelo Arsenal de Guerra como mestre de ginástica dos menores acolhidos pela instituição, o francês também anunciava seus serviços de professor particular em periódicos que gozavam de grande prestígio na corte, como o Almanak Laemmert, prometendo recuperar pacientes com deformidades ortopédicas.

Por fim, Bidegorry assumiu a presidência de uma associação pioneira no Rio de Janeiro: o Clube Ginástico, fundado por um grupo de comerciários, e que funcionou por um curto período na década de 1860. Até então, agremiações semelhantes eram invariavelmente ligadas às colônias de imigrantes. Havia uma tendência crescente à sociabilidade, ao lazer e ao autocuidado cultivados num novo tipo de espaço, que anunciava o fenômeno em plena expansão apenas no século XX: o mercado fitness.

O primeiro clube não estrangeiro surgiu em 1877 com o estranho nome de Congresso Brasileiro. Localizado na região mais concorrida da cidade, entre a Rua do Lavradio e o Campo de Santana, oferecia aulas diversas – de ginástica, dança, esgrima, música, teatro –, organizava bailes e franqueava o acesso a uma biblioteca. A valorização social da atividade física ganhou vulto com a criação do Clube Atlético Fluminense, em 1885, situado na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, que matriculava crianças a partir de oito anos de idade e premiava os melhores alunos com medalhas de ouro e prata.

Corridas eram organizadas para a participação exclusiva dos alunos de ginástica oriundos de diferentes entidades. Um desfile conhecido como “bandos precatórios”, costume comum das associações da época, recolhia donativos para alguma ação beneficente do momento e servia como propaganda de compromisso com a comunidade. Sob o ponto de vista simbólico, qualquer referência ao universo esportivo recebia uma atribuição extra de significado, que conectava o Rio ao “mundo civilizado”, além de promover um verdadeiro intercâmbio entre classes sociais distintas. O Clube de Regatas Guanabarense, o Clube Progressista, o Club Marcolino e a Sociedade Recreativa São José são alguns dos numerosos estabelecimentos que incluíram a ginástica nos seus quadros. No meio militar, a exemplo do Exército, o Clube Naval passou a oferecer esgrima, natação e ginástica aos sócios.

A importante contribuição lusitana

Na busca por firmar sua identidade em meio aos novos arranjos da sociedade carioca, a comunidade portuguesa no Rio, dedicada prioritariamente à indústria e ao comércio, deu origem a diversas associações beneficentes e culturais ao longo do século XIX – algumas das quais em atividade até hoje, como o Real Gabinete Português de Leitura, no Centro. Entre elas, duas sociedades esportivas, que chegaram a ser agraciadas com comendas da Ordem de Cristo: o Clube Ginástico Português, em 1868, e o Congresso Ginástico Português, em 1874. Da rivalidade histórica entre ambos, saiu vencedor o lazer na cidade.

O Clube Ginástico Português foi fundado pelos irmãos João José e Antônio José Ferreira da Costa numa casa onde funcionava a venda de Antônio, na Rua do Hospício, atual Buenos Aires, e na qual permaneceu até um incêndio, em 1934. Ali mesmo, os jovens comerciantes associados, autênticos representantes de uma classe média em formação, ensaiaram os primeiros exercícios. Em retribuição pelos serviços prestados à comunidade lusitana no Rio de Janeiro, em 1876 o clube recebeu da Coroa portuguesa o título de Real Sociedade, o que aumentou ainda mais sua notoriedade. O prestígio angariado pelo status de “organização de utilidade social” auxiliava até mesmo nas negociações com o Estado. Logo a associação começava a atrair pessoas de vários círculos sociais para seus eventos dançantes e musicais.

A sede do clube serviu para importantes reuniões de natureza política que marcaram o declínio do Segundo Império. Naquele lugar, lideranças das Forças Armadas começavam a se posicionar frente à discussão de questões nacionais. Grupos como o Centro Abolicionista Forense e o Centro Português Redentor dos Escravos escolheram o Real Clube Ginástico Português para local de fundação e início de suas atividades. Em fevereiro de 1887, o sócio, médico e político Adolfo Bezerra de Menezes, um dos grandes impulsionadores da doutrina espírita no Brasil, convocou para aquele endereço a reunião de liberais interessados na criação de um partido.

No tocante à cultura, o clube deu um especial incentivo à arte dramática, abrigando um grupo cênico de destaque e, até hoje, sediando o Teatro Ginástico, na Avenida Graça Aranha, por onde passaram grandes astros e estrelas nacionais. Surgido de uma dissidência contrária à elitização em curso, o Congresso Ginástico Português também acolheu eventos em prol das campanhas abolicionista e republicana. Muito provavelmente por já ter nascido voltado para um público mais popular, ele não resistiu à passagem do tempo, desaparecendo na virada para o século XX.

Grande impulso pelas ondas do rádio

Oswaldo Diniz, durante transmissão ao vivo (Fonte: radionahistoria.blogspot.com)

A história da radiodifusão no país possui um recordista e realizador de uma proeza: durante 51 anos e 3 meses, Oswaldo Diniz manteve no ar o programa Hora da Ginástica, 40 dos quais com transmissões ao vivo, diária e pontualmente às 6h, e um cumprimento lendário: “Bom dia, radioginastas!”. Formado em Educação Física pelo Instituto Técnico das Associações Cristãs de Moços Sul-Americanos em 1927 – com os dois primeiros anos da graduação realizados no Rio e os dois últimos em Montevidéu –, Diniz contava que sua escola radiofônica tinha tomado forma ao longo do processo de conclusão do curso. Três evidências estatísticas tinham servido de motivação: a saúde precária da população, a baixa adesão às atividades físicas e os precários recursos educativos em todo o território nacional.

Diante do panorama algo sombrio, decidiu lançar mão do meio de comunicação mais poderoso na época e atingiu seu objetivo de disseminar a prática da ginástica, como base da Educação Física, para inúmeros estados da Federação. Em paralelo aos exercícios, difundia recomendações para uma vida saudável, como não fumar, não consumir bebida alcoólica, se submeter a exames médicos periódicos e evitar a obesidade, além de princípios morais e éticos. Em homenagem ao professor Diniz, uma estátua de bronze com sua efígie e a figura de um radioginasta se encontra na Praça Saens Peña, na Tijuca, desde 1957. Longevo, morreu aos 93 anos de idade, em 1998.

Fontes:

PERES, Fabio de Faria; MELO, Victor Andrade de. O trato da gymnástica nas revistas médicas do Rio de Janeiro da primeira metade do século 19. In: História Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 46, maio/ago 2015, p. 167-185.

______ O corpo da nação: posicionamentos governamentais sobre a educação física no Brasil monárquico. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro. v. 21, n. 4, out-dez 2014, p. 1131-1149.

______ Associativismo e política no Rio de Janeiro do Segundo Império: o Clube Ginástico Português e o Congresso Ginástico Português. In: Topoi, Rio de Janeiro, v.5, p. 242-265, jan/jun 2014.

______ A introdução da ginástica nos clubes do Rio de Janeiro do século XIX. In: Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 471-493, abr/jun 2014.

Um Reconhecimento aos Ilustres Mestres da Educação Física. E.F. – Dezembro 2003, p.4-14.

 
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