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Diversidade nas escolas: como algumas unidades públicas lidam com o desafio de incluir todos
SÉRIE
18 Março 2019 | Por Márcia Pimentel
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EMAT TODOS
E.M. Átilla Nunes: dois professores foram premiados pela excelência no trabalho inclusivo. Foto Alberto Jacob Filho, 2019, MultiRio

Educação de qualidade. Este é o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, um acordo mundial feito pela ONU, que contém uma lista de tarefas a serem cumpridas, até o final da terceira década do século XXI. O ODS é desdobrado em várias metas e contém um preâmbulo que explica seu escopo central: garantir a educação inclusiva e equitativa de qualidade, baseada nos princípios dos direitos humanos e da sustentabilidade, e que promova a capacitação e o empoderamento dos indivíduos.

Diferenças e ambiente escolar

Do ponto de vista da macropolítica da cidade, a Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, a maior da América Latina, é inclusiva e igualitária. Atende a quase 640 mil alunos independentemente de renda, raça, credo, lugar de origem, orientação sexual e habilidades cognitivas. Mas da perspectiva da micropolítica das escolas, como elas se organizam para, no dia a dia, garantir a inclusão de todos? Quais são os desafios para que elas aceitem e valorizem a diversidade? Quais concepções de mundo estão por trás das práticas?

Segundo o artigo Diversidade e currículo, de Nilma Lino Gomes, professora da pós-graduação em Educação, Conhecimento e Inclusão Social da UFMG, as diferenças interpelam a escola, diariamente. Fazem-se presentes na “produção de saberes, valores, linguagens, representações de mundo, experiências de sociabilidade e de aprendizagem”. As distintas formas de lidar com essa diversidade, ainda conforme a professora, impactam as interações no ambiente escolar, inclusive as hierarquias de trabalho.

Sheila Mara do Nascimento da Silva, diretora da E.M. Azevedo Sodré (2ª CRE), na Praça da Bandeira, confirma as palavras de Nilma Lino Gomes, a pesquisadora da UFMG, e diz que as diferenças se fazem presentes na escola, de maneira muito forte, e produzem várias tensões dentro dela. A começar pelas divergentes opiniões políticas dos professores. Mas elas não param por aí. Inúmeros preconceitos permeiam os valores dos alunos e da comunidade escolar.

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A equipe gestora da E.M. Azevedo Sodré. Foto Alberto Jacob Filho, 2019, MultiRio

Como a E.M. Azevedo Sodré lida com essas múltiplas visões de mundo? Sheila Mara explica que, como diretora, busca se isentar de opiniões pessoais para tentar equilibrar a diversidade de valores e convicções. “Mas o foco no lado educativo e no planejamento é o que, efetivamente, opera a favor da harmonia e ajuda a superar as diferenças”, avalia.

A coordenadora pedagógica Denise Lima de Siqueira explica que a heterogeneidade religiosa – um dos fortes pontos de produção de tensão na escola – nunca é trabalhado pelo viés da crença ou do dogma, mas do ponto de vista cultural. “Sempre mostramos como as datas são comemoradas de maneiras diferentes, no mundo e nas regiões do Brasil. Com isso, alunos e responsáveis passam a ter um outro olhar”, esclarece.

As diferenças, contudo, não afloram apenas do ponto de vista de grupos com diferentes práticas, valores e visões religiosas e de mundo. Elas também emergem individualmente. E, por isso, a diretora Sheila Mara diz que a escola está sempre atenta para que ninguém sofra bullying: “Temos alguns alunos especiais, outros com dificuldades motoras, outros que fogem aos padrões estabelecidos de masculino e feminino, outros que têm dificuldade de se socializar... Trabalhamos para que a diversidade seja respeitada em sala de aula e para que cada um se sinta incluído. Nas atividades coletivas, todos participam como um só grupo. Nas festas juninas, por exemplo, montam juntos as coreografias e formam os pares da maneira que quiserem, não precisa ser menino com menina”.

Identidade e pertencimento

A integração das diferenças é um dos pontos-chave da escola inclusiva e, conforme a professora Nilma Lino Gomes, da UFMG, não se pode esquecer que a diversidade “se dá lado a lado com a construção de processos identitários”, que, por sua vez, estão relacionados com “contextos históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de dominação”. Não deve ser à toa que a afirmação da identidade, segundo Denise Siqueira, a coordenadora pedagógica da E.M. Azevedo Sodré, transformou-se em um dos eixos centrais do trabalho da escola.

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Acima, os autorretratos feitos pelos alunos. Abaixo, os lápis utilizados para representar a identidade étnica. Foto Alberto Jacob Filho, 2019, MultiRio

Ela explica que o viés identitário ganhou centralidade quando os alunos tiveram que fazer um autorretrato e praticamente todos coloriram seu tom de pele com lápis rosa claro, embora a maioria fosse afrodescendente. “Eles não se reconheciam como negros. Foi necessário um longo trabalho até encontrarem o giz de cera que mais se aproximava da cor de sua cútis. E houve bastante resistência durante o processo, muitos não queriam deixar de se representar com o rosa”, conta.

A E.M. Azevedo Sodré não é a única em que os alunos têm dificuldade em assumir a identidade étnica. A E.M. Áttila Nunes (8ª CRE), em Realengo, por exemplo, enfrenta o mesmo problema. A professora de História Ana Beatriz Ramos de Souza lembra que, até pouco tempo, a maioria dos alunos resistia em se reconhecer como negra: “Desqualificavam-se uns aos outros por causa da etnia. Creio que a negação da cor funciona como uma espécie de autodefesa, porque o preconceito é grande”, opina.

José Marcos Couto Júnior, professor de História da E.M. Áttila Nunes até o ano passado, lembra que, além do racismo estrutural, a homofobia também se revelava muito grande na escola. A diretora da unidade, Leila Teixeira Ferreira, ainda observou outro aspecto: “Há também uma questão de pertencimento. Sentem-se excluídos dos espaços da cidade. O mundo deles é o Conjunto Capitão Teixeira, da Cohab, onde moram e onde fica a escola. Vários sequer conhecem a praia. Certa vez fomos com eles ao Centro Cultural Banco do Brasil e tivemos que insistir muito para que algumas alunas entrassem na livraria, pois achavam que aquele lugar não foi feito para elas frequentarem”.

Inclusão na escola e na cidade

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Livro com poesias escritas por alunos empoderados. Foto Alberto Jacob Filho, 2019, MultiRio

Quando a E.M. Áttila Nunes virou escola de turno único, em 2016, os professores José Marcos e Ana Beatriz, de História, mais Amanda Silvério, de Matemática, decidiram aproveitar o aumento da carga horária para desenvolver um projeto que incluísse os alunos na cidade, os fizesse refletir sobre os preconceitos e, ainda, reforçasse os conteúdos curriculares e aumentasse sua autoestima.

Em 2017, esses objetivos foram trabalhados a partir do samba-enredo da Escola de Samba Renascer de Jacarepaguá, O papel e o mar, baseado em filme homônimo que narra o romance fictício entre João Cândido, líder da Revolta da Chibata, e Carolina de Jesus, escritora e catadora de papel. Depois de compreenderem o sentido da música, das palavras e dos contextos em que os personagens viveram, os alunos tiveram que escrever, no decorrer do ano, frases que narrassem a experiência de vida deles.

Idas a eventos culturais (teatro, cinema, exposição etc), atividades de valorização da identidade – como as oficinas de confecção de bonecas Abayomi (que eram feitas com trapos e nós, nos navios negreiros) –, e a ampliação dos conteúdos curriculares contribuíram para que os alunos começassem a se empoderar em suas identidades individuais e sociais.

Capacitação e empoderamento

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Os troféus ganhos pelos professores da E.M. Áttila Nunes, José Marcos Couto Jr. e Ana Beatriz Ramos de Souza. Foto Alberto Jacob Filho, 2019, MultiRio

O projeto teve continuidade em 2018 e foi trabalhado a partir da música Caravanas, de Chico Buarque, inspirada nas notícias sobre a Operação Verão 2015, um esquema de policiamento na orla carioca que, segundo os jornais da época, tentava “evitar arrastões e atos de vandalismo” praticados por adolescentes que usavam a linha de ônibus 474 (Jacaré - Jardim de Alah).

Batizado de Caravanas: os limites da visibilidade, o projeto resultou em um livro de poesias escritas pelos alunos. E ainda foi laureado duas vezes: o professor José Marcos Couto Júnior venceu a 21ª edição do Prêmio Educador Nota 10, criado pela Fundação Victor Civita, e Ana Beatriz Ramos de Souza levou o 11º Prêmio Educadores do Brasil, promovido pelo MEC, na categoria melhor projeto estadual.

Mas para a diretora da E.M. Áttila Nunes, o maior prêmio foi o resultado pedagógico do projeto. Além de ver seus alunos mais integrados à cidade e mais confiantes em si mesmos, assumindo quem são, todos os que se inscreveram para fazer o Ensino Médio, na Faetec e no Colégio Pedro II, conquistaram o intento. “O projeto Caravanas deu certo porque trabalhou naquilo que a comunidade precisava. Os estudantes ganharam identidade e confiança“, avalia o José Marcos, atualmente diretor da recém-inaugurada E.M. Professora Ivone Nunes Ferreira, em Senador Camará (8ª CRE).

“É muito bom ver que o projeto está dando certo, que os alunos se empoderaram”, comemora Ana Beatriz, que ainda acrescenta: “Isso sim, para mim, é educação de qualidade. Capacitá-los e quebrar barreiras invisíveis, para torná-los visíveis para a cidade, vale muito mais do que uma nota”.

 
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