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Judeus no Rio de Janeiro, uma experiência plural
27 Maio 2014 | Por Sandra Machado
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judeusdentroDesde 2010, o Dia Nacional da Imigração Judaica (18 de março), instituído pela Lei Federal nº 4.153, celebra a contribuição dos judeus ao Brasil. Nada mais justo, já que sua relação com o país é das mais antigas. Embora não tenham constituído comunidades organizadas até o advento da República, milhares de cristãos-novos, oriundos da Península Ibérica, desembarcaram no Rio. A partir de 1810, ano em que o Império Português revogou sua expulsão de todos os territórios da coroa, os imigrantes reconhecidamente judeus passaram a chegar no Brasil. O principal fator de impulsão veio com a Constituição de 1824, que inaugurou a tolerância em relação a outras religiões além do catolicismo. A partir de então, representações importantes, como a sinagoga da União Shel Guemilut Hassadim (para os historiadores, 1866; para a União, 1840) e a Aliança Israelita Universal (1867), começaram a surgir, em especial na Praça Onze. Até meados do século XX, a área foi o porto seguro desses imigrantes no Rio de Janeiro.

Imigração judaica no período colonial

Após a perseguição na Espanha, em 1492, entre 60 mil e 90 mil sefaradim migraram para Portugal, onde muitos judeus já viviam entre outras minorias étnicas, como a dos mouros e a dos ciganos. Cinco anos mais tarde, para driblar uma lei que exigia a expulsão da comunidade judaica também de Portugal, dom Manuel decretou a conversão compulsória de judeus e de muçulmanos ao cristianismo, os quais passaram a se chamar, então, cristãos-novos. No entanto, a medida não impediu que, ao longo dos séculos seguintes, a Igreja Católica colocasse em operação um grande mecanismo de perseguição religiosa.

Estabelecido em Portugal em 1536, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição enviava as chamadas “visitações” à colônia e investia os bispos locais do poder de fiscalização. De acordo com o historiador Roney Cytrynowicz, o caso de Antônio José da Silva foi emblemático. Sob a alcunha de “o judeu”, o dramaturgo passou parte da vida em Portugal e parte no Brasil. Apesar de muito conhecido em sua época, recebeu a sentença de morte dada pela Inquisição em 1739. Apenas em 1773, durante o governo do marquês de Pombal, tanto a Inquisição quanto a diferenciação entre velhos e novos cristãos foram extintas.

Grande impulso a partir da Proclamação da República

Além dos sefaradim, que trouxeram na bagagem tradições culturais como o ladino – espanhol grafado em caracteres hebraicos – e vieram da Península Ibérica e do norte da África, em especial do Marrocos, outros dois grupos elegeram a cidade para seu novo lar: os mizrahim e os ashkenazim. Mizrahim são judeus provenientes do Oriente Médio, principalmente do Iraque, Iêmen, Irã, Líbano e Síria, cuja língua predominante é o árabe. Ashkenazim se originam da Europa Central e da Europa Oriental e falam iídiche – alemão com influências eslavas e idioma também grafado em caracteres hebraicos. Embora compartilhem a mesma crença religiosa, existem entre os três – sefaradim, mizrahim e ashkenazim – importantes diferenças étnicas e litúrgicas. De maneira geral, a imigração judaica foi marcada não apenas por crises políticas que expulsaram populações inteiras de sua terra natal, mas também por avanços na legislação brasileira, que atuaram como importante força de atração.

Graças à primeira Constituição Republicana, que separou Estado e Igreja, instituiu o casamento civil e autorizou a criação de cemitérios laicos, a liberdade religiosa no Brasil ganhou novo contorno. A partir do início do século XX, a crise econômica gerada por conflitos no sul do Líbano levou inúmeras famílias a migrarem para o Rio de Janeiro. No período entre a Primeira Guerra Mundial e a década de 1930, imigrantes judeus se estabeleceram em definitivo nas principais metrópoles nacionais. Em 1924, quando os Estados Unidos implementaram a política de restrição à imigração baseada em cotas, os ashkenazim voltaram a atenção mais para o sul. “Entre 1920 e 1930, cerca de metade dos imigrantes da Europa Oriental que chegaram ao Brasil eram judeus”, afirma Roney Cytrynowicz. De acordo com o historiador, em meados do século passado, a maioria se fixava no estado do Rio de Janeiro, que tinha uma população estimada em 33.270 judeus.

Outro acontecimento de grande influência foi a Guerra de Suez, que opôs israelenses e egípcios numa disputa pelo controle do canal de mesmo nome. Diante do confronto, a situação dos judeus egípcios ficou insustentável, e eles acabaram expulsos do país. Sensibilizado, o presidente Juscelino Kubitschek ordenou a concessão de vistos para centenas de refugiados. “No período de 1956 a 1957, cerca de 2,5 mil judeus do Egito, mil do norte da África (principalmente de Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil”, estima Cytrynowicz.

Além das questões políticas, causas de natureza bem menos grave motivaram, igualmente, a vinda de judeus para o Rio de Janeiro, como explica a jornalista Leila Kaltman. “Muitas famílias também imigraram somente por melhores condições de trabalho e vida. No caso da minha, da do jornalista Alberto Dines e de algumas outras polonesas, por exemplo, o objetivo era deixar os rigorosos invernos de 20 graus negativos e, também, buscar novas oportunidades de trabalho. Em várias delas, primeiro vinham só os chefes da família – para estruturar alguma base – e, só depois, com a infraestrutura montada, é que imigrava o restante da família.”

Raízes bem distribuídas pela cidade

Na Praça Onze – região desvalorizada da cidade e compartilhada com a população negra da Pequena África –, sinagogas, escolas, oficinas tipográficas, jornais, clubes, alfaiatarias e lojas marcaram a identidade judaica nas primeiras décadas do século XX. Entre as instituições de categorias profissionais que criaram no local, se destacava a Sociedade dos Trabalhadores Ambulantes – reunindo os clienteltchikes, ou prestamistas, que ofereciam suas mercadorias de porta em porta, bairro a bairro, e um diferencial inédito na época: a compra à prestação. “Na Praça Onze se concentrava uma rede de apoio importante ao judeu recém-chegado. Era um local temporário e de onde se queria sair tão logo fosse possível”, afirma Paula Ribeiro, doutora em História Social pela PUC/SP.

Praça OnzeA abertura da Avenida Presidente Vargas, que demandou a demolição completa de diversos quarteirões, contribuiu apenas como um fator a mais naquele contexto. Num primeiro momento, os judeus da Praça Onze foram se transferindo para a Praça da Bandeira e, também, para a Tijuca, como evidencia a localização de diversas sinagogas e de um importante clube recreativo, o Monte Sinai, fundado em 1959.

O comércio não foi abandonado a partir da segunda geração, mas mudou de perfil, se voltando para negócios de renda mais alta, confecção e venda de roupas de grife, joalherias, comércio sofisticado em shopping centers, enquanto se mantinha, também, uma vertente popular em Madureira e na região da Saara.

Segundo Paula Ribeiro, o Centro Israelita do Subúrbio da Leopoldina, criado em 1929, teve sede própria em Olaria e servia de referência para a comunidade que se estabeleceu ao longo dos trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, como em Ramos, Penha e Bonsucesso. Parte da geração que sucedeu os pioneiros da Praça Onze – e que foi a primeira com formação universitária – fez um caminho em direção à Zona Sul, se estabelecendo no Flamengo, em Botafogo e nas Laranjeiras, onde a Sociedade Cultural Esportiva e Recreativa Hebraica funciona desde 1951. Diversas lojas de móveis se transferiram do Centro para a Rua do Catete.

No processo de migração dentro da cidade, Copacabana é um capítulo à parte. O Clube Israelita Brasileiro, por exemplo, foi fundado ali em 1921. E quando a prefeitura liberou os gabaritos para os prédios até 12 andares, em 1946, pequenos empresários da construção civil de origem judaica aproveitaram a oportunidade de crescer junto com o bairro. Com o aumento do poder aquisitivo, Leblon, Barra e São Conrado se tornaram opções bastante atraentes para a comunidade.

alfaiatariaAlém da construção civil, as artes sempre exerceram forte atração sobre judeus no Rio de Janeiro. Na década de 1930, a família Lorsch inaugurou a editora Guanabara, que traduziu e publicou importantes autores de origem judaica, como Stefan Zweig e Sigmund Freud. Mais tarde, abriu mais três editoras – a Koogan, a Delta e a Forense –, especializadas em livros técnicos. Vale lembrar, também, a história de Adolpho Bloch, cuja origem remonta a uma aldeia na Ucrânia. Ele construiu um importante império de telecomunicações, que incluía a Bloch Editores e a TV Manchete, e fez muita diferença na história da imprensa do país durante a segunda metade do século XX.

Na área médica, a contribuição também tem sido enorme, como exemplificam David Szpacenkopf e Jacob Kligerman em sua atuação no Instituto Nacional do Câncer. O esporte também rendeu nomes importantes, como Ricardo Winick Santos, do windsurfe, e Bernard Rajzman, mais conhecido como o Bernard do vôlei. Merecem destaque, também, atrizes como Tereza Rachel, Ida Gomes e Eva Todor; e as artistas plásticas Anna Bella Geiger e Fayga Ostrower.

O interesse pela música seria outra inclinação compartilhada por muitos filhos de imigrantes judeus. No âmbito dos clássicos, estão os maestros Jacques Morelenbaum e Isaac Karabtchevsky. Já na MPB, um dos mais famosos foi, sem dúvida, Jacob Pick Bittencourt, nascido na Lapa em 1918, filho do capixaba Francisco Gomes Bittencourt e da judia polonesa Raquel Pick. Conhecido como Jacob do Bandolim, o músico dedicou sua vida ao chorinho, gênero no qual deixou uma centena de composições lindíssimas, como Noites Cariocas.

Nos dias de hoje, um grupo representa muito bem o ponto a que chegam os intercâmbios entre as várias culturas no Rio de Janeiro: o Rancho Carnavalesco Praça XI, ou Klezmer Carioca, criado pela comunidade judaica. Klezmer é um estilo de música festiva do leste europeu. Esse bloco de carnaval não apenas toca sucessos carnavalescos cariocas, mas também canções judaicas em ritmo de samba.

 
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