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Muitas memórias no Palácio Tiradentes
10 Janeiro 2017 | Por Sandra Machado
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Plenário Barbosa Lima Sobrinho (Foto: Alerj/Rafael Wallace)

Em se tratando de cenário para manifestações populares no estado do Rio de Janeiro, é o Palácio Tiradentes, casa do Poder Legislativo, o endereço que se alterna em importância com o Palácio Guanabara, sede do Executivo. Entre a década de 1920, quando ficou pronto, e a de 1960, quando a cidade deixou de ser capital federal, funcionou pela maior parte do tempo como Câmara dos Deputados – a exceção foi o período de 1937 a 1945, no Estado Novo, no qual serviu para abrigar o Ministério da Justiça e o temido Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que controlava todo e qualquer material veiculado em rádios, jornais e revistas ou nos espetáculos de teatro, cinema e música. Desde 2001, uma exposição permanente na atual sede da Assembleia Legislativa do Rio já recebeu mais de meio milhão de visitantes, inclusive do exterior, repassando aspectos arquitetônicos e políticos da história recente do país.

Construindo um teto e um efeito de sentido

Ainda na fase conhecida como República Velha, a proposta para a construção do Palácio Tiradentes obedeceu a uma lógica de reforço ao regime republicano, resgatando, intencionalmente, o suplício do alferes Joaquim José da Silva Xavier como um evento de antagonismo ao regime monárquico. Desde o nome do palácio até a estátua em dimensões gigantes do maior entre os mitos nacionais, postada à frente do prédio, tudo deveria conspirar para sedimentar a opinião pública em torno do avanço democrático como um clamor popular e, com isso, justificar o poder vigente. Até mesmo o local escolhido para a construção tinha um significado especial. Ali havia funcionado a Cadeia Velha, onde Tiradentes esteve preso durante três dias – fora os três anos na Ilha das Cobras –, até ser enforcado na praça carioca que, atualmente, leva seu nome.

Tiradentes foi representado como um Cristo cívico (Foto: Alerj/Mauro Pimentel)

Para a colocação da estátua de 4,5 metros do mártir usando a túnica dos condenados, foi escolhido o mesmo ponto onde se localizava a cela em que esteve confinado. A caracterização do personagem como um Cristo cívico pelo escultor Francisco de Andrade, em que exibe barba e cabelos longos, não condiz exatamente com a realidade. Relatos de época afirmam que ele era um homem alto, grisalho, com barba e bigodes bem aparados. Depois da prisão, teria passado pelo processo padrão, há muito tempo adotado para evitar a proliferação de piolhos, e teve o rosto e a cabeça raspados.

A bem da verdade, desde a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, o prédio da Cadeia Velha passou a servir de base para o funcionamento da chamada Assembleia Geral Legislativa, o equivalente ao atual Congresso Nacional. Durante os primeiros anos da República, manteve apenas a Câmara dos Deputados, até que o estado geral do prédio provocou a transferência da Câmara para o Palácio Monroe, em 1914, seguida de outra, para o prédio da Biblioteca Nacional, em 1922, ano em que o Monroe recebeu a exposição pelo centenário da Independência. Na ocasião, já havia sido aprovado o projeto dos arquitetos Archimedes Memória e Francisco Couchet, que atendia a reivindicação dos parlamentares, segundo os quais uma nova sede varreria, para sempre, a lembrança do passado colonial da cidade.

Construção colaborativa

A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados determinou que as unidades da federação enviassem doações, de materiais ou em espécie, para construir a nova sede. Obras de arte deveriam ficar em exibição permanente no palácio, como uma síntese das riquezas brasileiras. Além de uma substancial contribuição em dinheiro, oriunda de vários estados, também foram doados mobiliários vindos de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, além de 50 toneladas de gesso produzido no Rio Grande do Norte. Inovações técnicas caracterizaram a obra monumental, como o emprego de argamassa com resistência equivalente à da pedra e vergalhões de ferro nacional, usados pela primeira vez no país.

Escadaria principal na entrada do Palácio Tiradentes (Foto: Alerj/Rafael Wallace)

Inaugurado em 6 de maio de 1926, após quatro anos de obras, o Palácio Tiradentes tem estilo eclético e se inspira no Grand Palais de Paris, colosso francês que também homenageia a república. A decoração inclui farta utilização de materiais nobres, como couro, veludo e madeiras de lei. Alguns ambientes receberam mobiliário feito sob encomenda de acordo com um gênero pré-determinado: Presidência e Vice-Presidência (estilo neomanoelino); Salão Nobre (estilo Francisco I); Salões Ouro e Verde (renascentista italiano); e Secretaria (estilo Jacobsen). A Sala da Comissão de Justiça é decorada com móveis feitos em pau-brasil que já conta 300 anos, reaproveitado da demolição da Cadeia Velha, construída em meados do século XVII.

Salão Nobre (Foto: Alerj/Rafael Wallace)

Uma comissão formada pelo presidente da Câmara, Arnolfo Azevedo, e por membros do Conselho Superior de Belas Artes, realizou um concurso para selecionar 11 artistas que produzissem as esculturas da fachada e do interior do palácio, assim como as estátuas de Tiradentes e das duas Vitórias Aladas do pátio frontal. Confeccionadas em bronze, as figuras femininas foram colocadas sobre pedestais de pedra com 7 metros de altura. Ao todo, 17 postes, também de bronze, circundam o prédio. Seis colunas de inspiração neogrega com 12 metros de altura adornam a entrada, a qual foi rodeada de diversas peças de estatuária carregadas de simbologia. À esquerda do observador, no alto, fica a representação da Proclamação da Independência e, do lado oposto, a da Proclamação da República. No nível da rua, duas outras figuras fazem referência à ordem (esquerda) e ao progresso (direita) da bandeira nacional.

Praticamente um museu

O conjunto arquitetônico, tombado em 1993 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi tratado com grande esmero, o que se confirma tanto nos grandes espaços quanto nos pequenos detalhes artísticos. A cúpula sobre o plenário, por exemplo, é composta de um vitral abobadado de cerca de 120m2, o primeiro 100% produzido no país, pelo italiano César Formenti. A obra de arte reproduz o céu brasileiro no exato momento da Proclamação da República, às 9h15 da manhã do dia 15 de novembro de 1889. Além de vitralista, o artista foi responsável pela execução dos pisos de mosaico do palácio junto com seu filho, Gastão Formenti.

Painel de Eliseu Visconti representa parlamentares em tamanho natural (Foto: Gabriel Esteves)

Logo abaixo do vitral, oito painéis da autoria dos irmãos Rodolpho e Carlos Chambelland reproduzem acontecimentos temáticos. Os menores tratam da formação territorial: desembarque dos colonizadores portugueses, expansão das fronteiras pelos bandeirantes, tomada de posse das Missões e do Amapá e, por fim, o Tratado do Acre. Já os painéis maiores, que abarcam a formação nacional, tratam dos períodos da catequese dos indígenas, do colonial, do monárquico e do republicano.

Principal ambiente da sede do Legislativo, o Plenário Barbosa Lima Sobrinho tem 22 metros de diâmetro por 18 metros de altura. Chama atenção o painel decorativo atrás da mesa da presidência, pintado por Eliseu Visconti, que retrata, em tamanho natural, todos os presentes ao ato de assinatura da primeira constituição republicana do Brasil, em 1891, reunidos, então, no Paço da Quinta da Boa Vista. No ano da inauguração do Palácio Tiradentes, em 1926, existiam 212 deputados federais na casa. Decorridas nove décadas, hoje são 70 deputados estaduais.

Pero Vaz de Caminha lê a carta endereçada a Dom Manuel I diante de Pedro Álvares Cabral, Frei Henrique e Mestre João (Foto: Alerj/Rafael Wallace)

No Salão Nobre, o teto em forma de arcos e abóbadas apresenta pinturas de João Timóteo da Costa, nas quais a nação é representada como uma mulher cercada de dez imagens femininas, que seriam as grandes datas nacionais. Na galeria de circulação do segundo pavimento, há um painel de Aurélio Figueiredo chamado Primeiro Capítulo da Nossa História Pátria – A Carta de Pero Vaz de Caminha, e outro de Fiúza Guimarães, chamado História Parlamentar – Participação de Deputados Brasileiros nas Cortes Constitucionais Portuguesas.

Cenário único, em imagens e conquistas

O primeiro presidente da República a tomar posse no Palácio Tiradentes foi Washington Luís, no mesmo ano em que a construção abriu as portas. Mas também Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck foram investidos do cargo no palácio, em 1934 e 1956, respectivamente. Entre as personalidades que estiveram de visita se encontra o presidente norte-americano Harry Truman, que discursou no plenário em 1947, mesmo ano em que o escritor Jorge Amado, eleito dois anos antes como deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, teve que deixar a casa, depois que o partido, mais uma vez, foi posto na ilegalidade.

Por duas vezes, o Palácio Tiradentes abrigou a Assembleia Nacional Constituinte – em 1934 e em 1946. Também serviu de ponto de concentração para a lendária Passeata dos Cem Mil, evento crucial dos protestos contra a ditadura militar, em junho de 1968. Na história recente, no entanto, ele tem sido um local privilegiado para uso em locação de filmes, minisséries e novelas, como Caminho das Índias, gravada em 2009.

Em setembro de 2001, um convênio entre o curso de Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Assembleia Legislativa possibilitou que os alunos se encarreguem das visitas guiadas diárias, que têm como público-alvo classes escolares públicas e privadas, grupos da terceira idade e visitantes em geral, recebidos por guias que também falam inglês, francês e espanhol.

“A Câmara vai, de hoje em diante, funcionar em um palácio digno de sua missão constitucional”. Trecho do Jornal do Commercio, publicado no dia seguinte à inauguração

Para além da arte representativa da história nacional, o Palácio Tiradentes cresce ainda mais em importância quando analisado sob a perspectiva de regulações de grande impacto para a sociedade ali votadas. Primeira lei de férias para trabalhadores e regulamentação do trabalho de menores de idade (1926); posse da primeira mulher deputada federal da América Latina, Carlota Pereira de Queirós (1933); lei da liberdade de culto religioso, de autoria do escritor e então deputado Jorge Amado (1946); criação da Petrobras (1953). A última sessão da Câmara Federal no palácio aconteceu em 14 de abril de 1960, uma semana antes da inauguração de Brasília.

Fontes:

CALDAS, Wallace; RIBEIRO, Nelson Pôrto. A Restauração do Vitral da Cúpula do Plenário do Palácio Tiradentes. IX Congresso da Abracor. s/d.

Centro Cultural Câmara dos Deputados. Palácio Tiradentes, 90 Anos. Brasília: 2016.

Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Obras de Arte Estão Reunidas em Livro que Acaba de Ser Lançado. 26.fev.2015.

Jornal da Alerj – edições nr. 299 a 314.

Núcleo de Memória Política Carioca e Fluminense: Alerj e CPDOC-FGV. Palácio Tiradentes – Lugar de Memória do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro: 1997.

ROMÃO, Márcio. Palácio Tiradentes: que História Escrever, que Passado Lembrar? ANPUH - XXV Simpósio Nacional de História. Fortaleza, 2009.

Site do Palácio Tiradentes

 
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